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"A POLTRONA ESCURA"
Baseado em obras do dramaturgo italiano, monólogo com Cacá Carvalho absorve humor negro
Montagem acumula contrastes de Pirandello
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
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O ator Cacá Carvalho em "A Poltrona Escura", espetáculo com direção de Roberto Bacci que abarca três novelas curtas de Pirandello |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
É ambíguo o universo de Luigi Pirandello (1867-1936).
Grotesco e profundo, meio-termo
entre teatro e ensaio filosófico, é
fácil cair no tedioso ou no superficial ao se encenar a sua obra.
Cacá Carvalho e Roberto Bacci,
ator e diretor que trabalham juntos no laboratório de teatro em
Pontedera (Itália), já deram provas de dominar esse universo com
"O Homem com a Flor na Boca".
Em "A Poltrona Escura" a aposta é mais alta. Não se trata apenas
de um monólogo, mas de três curtas novelas do mais negro humor
pirandelliano, a que Carvalho,
atuando como um contador de
histórias, deve dar vida. Sozinho,
alternando personagens com um
mínimo de recursos, os poucos
adereços e cenário único de Márcio Medina, o ator tem o desafio
de desenvolver a vertiginosa retórica de Pirandello sem perder a
comicidade das situações.
O cenário é basicamente a poltrona sombria do título e cortinas
de veludo. É nela que o viúvo do
primeiro conto se refugia, sentindo sua autoridade ser usurpada
pelo filho. No segundo, ela é uma
poltrona de trem, na qual um advogado passa a se ver de fora como uma caricatura, tema pirandelliano por excelência. Ela se torna um volumoso cadáver, que o
protagonista do terceiro conto
deve arrastar quando descobre o
perturbador dom de matar o próximo ao soprar entre o indicador
e polegar.
A técnica "grotowiskiana" é solicitada ao máximo, permitindo
que alterne timbres e ritmos de
voz, seguindo uma precisa partitura de gestos. Entendemos quem
fala pela maneira como fala: o patético falsete do velho é contrastado pela calma arrogância de seu
filho; a teatralidade gestual do advogado torna-o uma embalagem
vazia para seus próprios olhos.
Esse malabarismo camaleônico
se apóia em poucos objetos cotidianos, que ganham uma dimensão metafísica: os chinelos do viúvo; uma grotesca liga de meia no
cadáver fazendo tudo resvalar para o intenso clima onírico. Acrescente-se uma sutil iluminação de
Domingos Quintiliano operada
com rara maestria, e o que se vê é
um espetáculo hilário e assustador, poético e marcante.
O acúmulo de desafios pode
resvalar para a demonstração, e
de fato na curva de um gesto, no
pairar de uma pausa, se pressente
o orgulho que Carvalho sente por
estar em cena, não com arrogância, mas como uma criança em
proeza de bicicleta. É com rara generosidade que ele passa da construção psicológica para o distanciamento brechtiano, chegando à
dimensão sagrada, de quem espalha o questionamento do mundo
como uma epidemia. Contagia a
platéia, por muito tempo, com a
magia do teatro.
A Poltrona Escura
Textos: Luigi Pirandello
Dramaturgia: Stefano Geraci
Direção: Roberto Bacci
Com: Cacá Carvalho
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro
Ramos, 915, tel. 6602-3700)
Quando: sáb. e dom., às 18h; até 7/9
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 15
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