|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NO PLANALTO
PT luta para provar-se igual a todos os outros partidos
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Exausto de tanto centralizar tudo, o Centrão decidiu
delegar tarefas. Introduziu na
política uma prática comum às
empresas: a terceirização. Confiou os afazeres da Presidência
da República à esquerda, ficando apenas com a tarefa de cobrar resultados. Passou a dispor
de mais tempo para mandar e
desmandar no país.
A estratégia funcionou muito
bem com FHC. O Planalto de fachada progressista resultou em
ótimos negócios. Sobretudo para
o setor financeiro. E a convivência com a intelectualidade tucana proporcionou ao Centrão excelente merchandising.
Para 2003, decidiu-se diversificar os investimentos. O Centrão
já não se contenta com tudo.
Quer mais um pouco. Avesso ao
risco, evita colocar todos os ovos
num mesmo cesto.
Aplicou um PMDB na apólice
Serra, endossada por um passado que inclui uma escala na presidência da velha UNE e uma
passagem pelo exílio. Apostou
um PTB, 70% de PFL e um
Scheinkman em Ciro Gomes,
que cavalga o ex-Partidão. Em
Lula, investiu um PL malufista,
um Quércia e um Sarney.
Qualquer que seja o resultado
da gincana eleitoral, a pantomima estará assegurada. O Centrão logrará manter tudo exatamente como está, com ares de
quem muda absolutamente tudo.
Ao expor os seus produtos na
vitrine do horário eleitoral, o
Centrão ataca o Centrão e promete corrigir os erros que o Centrão cometeu. E o país vai sendo
preparado para eleger mais uma
encenação.
2002 passará à história como o
ano em que o extermínio da esquerda brasileira, antes gradual,
assumiu proporções alarmantes.
Logo será preciso estabelecer cotas de abate de esquerdistas, para evitar o massacre indiscriminado.
Recomenda-se a criação de um
santuário, que seria coabitado
por micos-leões-dourados, por
Roberto Freire e pela meia dúzia
de dinossauros recalcitrantes
que integram a resistência heróica.
O PT protagoniza o caso mais
dramático de flexibilização das
fronteiras ideológicas. À medida
que foi atualizando o guarda-roupa -do macacão até o Armani-, Lula deslizou, quase
sem sentir, para o outro lado. Súbito, acordou de mãos dadas
com Quércia e Sarney.
Lula é um novo homem. Descobriu que quem ele era até seis
meses atrás não estava preparado para o sucesso. Não tendo escrito nada, esqueceu-se do que
falou. Virou mais tucano que o
próprio FHC. Mimetiza a edulcorada retórica do arranjo, do
possível.
Abandonou as convicções que
lhe emprestavam aquele ar de
sapo-cururu. O novo Lula acha
que não deve nada ao velho passado sindical, muito menos explicações.
Convenceu-se de que, de braços dados com a esquerda, nunca seria aceito nos salões chiques
de Brasília. Jamais seria um líder consentido e autorizado pelo
Centrão.
Daí o esforço que empreende
para barganhar a própria alma,
prometendo-a, sob aplausos, à
Febraban e à Fiesp. Devagarinho, Lula vai aniquilando o que
parecia ser a sua maior virtude:
a presunção da superioridade
moral.
Aproveitando-se do pano de
fundo proporcionado pela decomposição de Santo André, o
PT do novo Lula luta para integrar-se à baixeza comum a todos
os partidos. Peleja para provar-se capaz de ceder a todas as abjeções políticas, inclusive a das
alianças esdrúxulas.
Diz-se, maliciosamente, que
um fantasma passou a assombrar as noites do eterno presidenciável do PT. Trata-se da assombração do próprio Lula,
quando era socialista. A alma
penada ronda-lhe os sonhos,
brandindo faixas com bordões
inconvenientes: "Fora FMI",
"Moratória já", "Vida longa a
Fidel"...
A primeira vítima do pragmatismo do PT foi a semântica.
Deu-se à capitulação o nome de
amadurecimento. Uma afronta
ao léxico. Coisa própria do cinismo que caracteriza o universo
político brasileiro, onde qualquer coisa pode significar qualquer coisa. O novo Lula tornou-se a prova viva de que, com o
passar do tempo, qualquer um
pode atingir a perfeição da impudência.
Último moicano: é trágico o futuro que espreita Roberto Freire.
Senador, rebaixou-se à refrega
por uma vaga na Câmara. Pois
nem o mandato de deputado o
povo de Pernambuco deve lhe
outorgar. Prevê-se que obterá
uma reles suplência. Se for o primeiro suplente, só chegará à Câmara se Jarbas Vasconcelos, praticamente reeleito, lhe abrir o caminho, nomeando um deputado
eleito para o posto de secretário
de Estado. É isso ou a companhia dos micos-leões-dourados
no santuário a ser criado para a
esquerda em extinção.
Texto Anterior: Sertanejos adotam até "rodízio" Próximo Texto:
ELEIÇÕES 2002/PRESIDENTE Rastreamento eleitoral: Entre os "com-telefone", Ciro e Serra também empatam Índice
|