São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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Partido enfrentará contradições por causa das sucessivas contestações judiciais contra medidas do governo de FHC

PT tem de derrotar PT para ter verba em 2003

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O equilíbrio das contas no governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, exigirá uma derrota de seu partido, o PT, no STF (Supremo Tribunal Federal) para preservar a emenda constitucional que lhe dará relativa liberdade para gastar em 2003 mais de R$ 30 bilhões do Orçamento, equivalentes a 20% da arrecadação tributária anual.
Esse é um dos exemplos das contradições a que o PT estará exposto a partir de 1º de janeiro, quando Lula assume, por causa das sucessivas contestações judiciais de medidas do governo de Fernando Henrique Cardoso relativas ao aumento na receita ou à maior flexibilidade no uso dos recursos existentes.
A emenda, de março de 2000, estabeleceu que um quinto da arrecadação de impostos e contribuições sociais da União ficaria desvinculado de qualquer tipo de despesa até o ano que vem. Normalmente as receitas são vinculadas a determinados gastos, não deixando margem de liberdade de aplicação ao governo. Esse mecanismo, prorrogado desde o início do Plano Real, é considerado fundamental ao equilíbrio das contas públicas pelo Fundo Monetário Internacional.
Em 2000, a oposição ao governo FHC, representada por PT, PDT, PSB e PC do B, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo contra a emenda. O processo ainda não foi submetido a julgamento.
Os quatro partidos sustentam que a desvinculação teria comprometido o equilíbrio financeiro da Previdência Social, previsto na Constituição (artigo 201).

Desidexação e Provão
O partido de Lula também tentou derrubar judicialmente a medida provisória do Plano Real que acabou com a desindexação dos salários, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a criação do Exame Nacional de Cursos, o Provão. Essas iniciativas do governo FHC permanecem válidas.
A necessidade de ampliar a arrecadação federal poderá levar o PT a rever a sua resistência à cobrança da contribuição previdenciária dos servidores inativos, instituída por lei em janeiro de 1999 e derrubada oito meses depois pelo STF. Naquele momento, a perda de arrecadação foi estimada em R$ 2,3 bilhões por ano. A reforma da Previdência já acenada por Lula trará esse debate à tona.
A lei que instituía a contribuição de aposentados e pensionistas da União foi contestada em quatro ações: uma apresentada pelo PT, com o PDT, o PSB e o PC do B, e as outras pela Ordem dos Advogados do Brasil, pela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil e pelo PMN. Como a lei foi suspensa, o recolhimento da contribuição agora depende de emenda constitucional.
Ainda na área da seguridade, o PT foi um dos autores de uma ação contra o fator previdenciário, a nova fórmula de cálculo da aposentadoria do trabalhador do setor privado, em vigor desde 1999 e que premiou quem trabalha mais tempo e prejudica os que se aposentam mais cedo.
O PT e os parceiros na ação -PDT, PC do B e PSB- foram derrotados. O STF reconheceu a validade do novo critério de cálculo da aposentadoria e considerou que a mudança cumprira a exigência de equilíbrio financeiro e atuarial no sistema de recolhimento de contribuição e pagamento de aposentadorias.
Em outro caso, o governo do PT está obrigado a reajustar anualmente o salário do funcionalismo por causa de uma decisão do STF que, a pedido do próprio PT e do PDT, em abril de 2001, declarou FHC omisso quanto a essa obrigação. Nesse caso, foi explorada uma norma incluída na Constituição pela emenda da reforma administrativa, de 1998, que previu a "revisão geral anual" da remuneração dos servidores. O Orçamento de 2003 prevê aumento linear de 4% para compensar perdas deste ano.
A primeira batalha judicial do próximo governo em que surgirem liminares da primeira instância ordenando a liberação de dinheiro da União também irá expor a equipe de Lula a uma incoerência. Se houver risco de sangria dos cofres públicos antes de decisão judicial definitiva, o futuro advogado-geral da União terá de enfrentar o dilema de utilizar ou não de instrumentos jurídicos criados por uma polêmica MP do governo FHC, cuja validade é contestada pelo próprio PT.
A medida facilitou a cassação pelo presidente do STF de liminares das instâncias inferiores, mas foi vista como um instrumento autoritário, por centralizar poder na cúpula do Judiciário. Apesar da contestação no Supremo, ela permanece válida.
A Folha procurou ouvir o PT, por meio da assessoria da liderança do partido na Câmara, onde essas ações normalmente são preparadas. A assessoria informou não comentaria o assunto.



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