São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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Nos últimos 30 dias, cerca de 6.000 pessoas chegaram à região, parte delas viveu o auge do garimpo nos anos 80

Serra Pelada vive segunda "febre do ouro"

MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SERRA PELADA

Como dizem os garimpeiros de Serra Pelada, "o ouro pode ter trazido mais miséria do que riqueza", mas 22 anos depois do início da exploração do minério no local, parte da primeira geração de garimpeiros retorna à área, no que está sendo considerada a segunda "febre do ouro" na região. Eles voltam com uma média de idade entre 50 e 70 anos e com histórias, na sua maioria, de sofrimento e miséria.
Localizada no sudeste do Pará, atualmente Serra Pelada é um distrito de Curionópolis, cidade localizada a 150 quilômetros de Marabá e 800 quilômetros de Belém. Nos últimos 30 dias, cerca de 6.000 garimpeiros voltaram para Serra Pelada -incluindo os 4.000 que estavam acampados do lado de fora e entraram após longa negociação. A população local dobrou para mais de 12 mil pessoas.
A maioria deles vem de trem do Maranhão até Marabá e depois segue mais duas horas de viagem de ônibus até Serra Pelada.
Nada comparável, ainda, ao auge do garimpo, em 1983, quando estima-se que mais 80 mil pessoas estavam atrás do tão sonhado filão de ouro, e Serra Pelada ficou imortalizada pelas imagens de um ""formigueiro humano".
O que está trazendo os garimpeiros de volta a Serra Pelada é a reabertura de cem hectares do garimpo para a exploração, autorizada em setembro passado por um decreto legislativo aprovado pelo Congresso Nacional.
Há os que chegam dispostos a explorar a terra manualmente em pequenas cavas e também aqueles que, mais idosos, apenas desejam ser anistiados pela cooperativa do garimpo para receber o direito da parte do que for extraído mecanicamente a partir do próximo ano.
A chegada gerou um clima de tensão no local, e o Exército e a Polícia Militar tiveram que intervir (leia texto nesta página).

Sonho
Apesar das histórias de insucesso, a possibilidade de encontrar o tal filão de ouro tem um fascínio que "tira a razão", como se diz lá, dos garimpeiros que chegam com a esperança de ficar milionário.
"Vi muita gente ganhar dinheiro aqui, mas poucos ficaram ricos. Onde há ouro tem miséria também. Conheci garimpeiros que fretavam dois aviões: um para ele e outro para levar só chapéu", conta o garimpeiro Clarindo Bezerra Jardim, 65.
A aparente contradição de associar ouro e miséria se dissipa quando se ouve casos contados por Jardim de fortunas ganhas e perdidas do dia para a noite.
Histórias como a do ""seu Julinho". O garimpeiro Fernando Barbosa Gomes, 56, conheceu o garimpeiro conhecido como "seu Julinho", assassinado na década de 80 após ter encontrado, diz ele, a maior pepita de ouro de Serra Pelada, que tinha mais de 50 quilos. "Ele tinha tudo para ficar milionário, mas quis continuar aqui e se envolveu em brigas. Já vi o assassino andando livremente por aqui", disse Gomes.
Os cem hectares autorizados para a exploração estavam sob concessão da CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), que continua a explorar minérios como ferro e cobre existentes nas serras no entorno do garimpo. Desta vez, a Coomigasp (Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada) planeja a extração mecanizada do garimpo com contratação de pouca mão-de-obra.
"Já carreguei muitos sacos de terra e pedra na cabeça e até fraturei o pescoço em uma queda, mas agora não tenho a mesma vitalidade de antes. Quero voltar a ser um garimpeiro associado para ter direitos por todo o sofrimento que passei aqui", disse Francisco Batista Lima, 74, um dos mais antigos da área.
A mecanização será necessária porque, na antiga cava onde existiu o maior garimpo a céu aberto do mundo, em meados da década de 80, hoje existe apenas um lago de quase cem metros de profundidade e contaminado pelo mercúrio, utilizado no processo de purificação do metal.
Hoje, pelo menos mil garimpeiros ainda extraem ouro em escavações. Juntos, eles extraem em média 500 gramas do metal por mês. Levantamento do sindicato da categoria aponta que, desde o início do garimpo, cerca de 24 toneladas de ouro já foram extraídas da área e pelo menos 50 homens morreram no local por questões ligadas à exploração.

Licença
Dados do DNPN (Departamento Nacional de Produção Mineral) indicam que, de 1980 a 1990, o total de ouro extraído de Serra Pelada passa de 41 toneladas.
Mesmo sem a licença ambiental do Ministério do Meio Ambiente, que autoriza a exploração da área, pelo menos mil garimpeiros já começaram a explorar o barranco no entorno da cava.
"Já cavamos cerca de oito metros de profundidade e mais um pouco vamos chegar no grande filão de ouro", aponta o garimpeiro Antônio da Costa Cavalero, 63, que improvisou um garimpo no quintal de casa há uma semana.
Com a superpopulação, as autoridades locais temem o surgimento de doenças decorrentes de subnutrição e falta de higiene. Já falta comida no garimpo, e o governo estadual tenta minimizar o problema distribuindo cestas básicas.
Com a dificuldade de acesso, as cestas não chegam de forma regular -na quinta-feira da semana passada, 1.500 foram distribuídas.



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