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NO PLANALTO
Livro de 1996 revela quem manda em 2003: Lulocci
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nada mais divertido no entreato de Brasília do que
ver Antônio Palocci, 42, medindo cada meia palavra que diz,
com o comedimento de um Pedro Malan. O vizir petista tornou-se ás do contorcionismo
vernacular. Seus lábios não se
movem a esmo. Sobem e descem
qual acrobatas do Cirque du Soleil, em coreografias minuciosamente estudadas. Imprensam a
língua, como a avisá-la dos perigos da fala desmedida.
Por trás da barba prudente,
que fala sem dizer, esconde-se
um Palocci de palavras inteiras.
Pode ser encontrado nas páginas do livro "Dando a Volta por
Cima" (editora Scritta, 1996).
Inútil procurá-lo em livrarias.
Foi pescado, sob camadas de
poeira, na estante de um ex-ministro de FHC. Por pouco não
foi ao lixo. Sorte. Virou obra de
consulta obrigatória.
Escreveu-a um Palocci no frescor dos 36 anos. Jovem, não conhecia a autocrítica. Produziu
um texto autocontemplativo.
Revela os feitos do ex-trotskista
que, eleito prefeito, introjetou
tendências capitalistas. Sem saber, produziu na Ribeirão Preto
dos anos 90 um piloto da Brasília de 2003.
"O nosso programa de governo, baseado no mote da mudança com segurança, procurou, então, ressaltar a importância de
valorizar tudo o que a cidade tinha de bom", conta Palocci no
livro.
Foi a obsessão do ex-prefeito
pela "segurança" que levou Lula
a assinar, em junho, a Carta ao
Povo Brasileiro, em que o PT
promete ao mercado manter tudo o que o receituário de Malan
tem de "bom" -do superávit
fiscal ao câmbio flutuante.
"De posse do programa", relata Palocci em outro trecho do livro, "fui visitar pessoalmente a
maioria dos empresários da cidade". Há pouco, dispensou tratamento idêntico ao PIB nacional, levando debaixo da axila o
programa de Lula, cujo alinhavo coordenou.
Como no Brasil de Lula, a Ribeirão Preto de Palocci vivia sob
atmosfera de "muita preocupação entre os empresários". Temiam "uma onda interminável
de greves e a articulação de um
grande movimento social de
pressão".
O que fez Palocci? Eleito,
anunciou a criação do "Fórum
da Cidade, um agrupamento de
empresários, sindicalistas e representantes dos demais segmentos da sociedade". Bruxaria
igual ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
prometido por Lula.
O Palocci de seis anos atrás
preferiu o "argumento" ao "enfrentamento". Sua filosofia? "A
maior vitória é aquela obtida
sem luta, sem guerra." Não é outra a doutrina que guia os sapatos de Lula "paz e amor" da Silva.
Palocci compôs um secretariado "plural", com "pessoas de vários partidos e também sem filiação partidária". Por quê?
"Quando o prefeito opta por fazer um governo exclusivo de um
partido -seja ele o PT ou qualquer outro-, as lideranças locais e os demais cidadãos sentem que as portas da administração estão fechadas."
Sob a batuta de Lula, que Palocci ajuda a sustentar com a
habilidade de ventríloquo, organiza-se na Esplanada uma
orquestra maior do que a banda
do PT. Ainda que ao preço da
previsível desafinação.
O vice-prefeito de Palocci, Joaquim Rezende, do PSDB, exerceu cargo executivo na administração: a superintendência da
empresa municipal de transporte coletivo. Lula também tenta,
por ora sem sucesso, quebrar a
resistência do vice José Alencar
(PL). Gostaria que aceitasse o
cargo de ministro.
O prefeito Palocci decidiu dotar Ribeirão Preto de algo "de
vital importância": planejamento. "A primeira providência
de nosso governo foi criar a Secretaria Municipal de Planejamento, com forte disposição para fortalecer esse setor".
Como Palocci, Lula emitiu,
ainda em campanha, sinais de
que deseja incrementar a pasta
do Planejamento. Deixou hirtos
de raiva petistas mais exaltados
ao tecer loas à capacidade planificadora dos governos militares.
Como se vê, transita pelo submundo da política nacional
uma criatura ainda desconhecida do brasileiro: o companheiro
Lulocci -mistura do carisma
messiânico de Lula com o cérebro pragmático de Palocci.
A instrutiva leitura do até há
bem pouco tempo inservível
"Dando a Volta por Cima" permite antever movimentos do governo que está na bica de assumir. Nada de muito mirabolante.
Disse o Palocci do livro:
"Qualquer governo progressista
tem que mostrar, já nos primeiros dias de mandato, a que veio
e, assim, não frustrar a população". Esquentam no forno do
PT medidas para a primeira
centena de dias de gestão.
Como Lula, Palocci governou
sob minoria parlamentar. Tinha 3 dos 21 vereadores. O que
fez? "Diálogo, eis a palavra-chave."
Também como o atual chefe,
teve de lidar com a escassez de
recursos. Perfumou o ambiente
para os investimentos privados.
"O empresariado passou a ter a
prefeitura como ponto de apoio
para buscar o crescimento e progredir." Inaugurou "o PT que
privatiza".
Transformou a Ceterp, a companhia municipal de telefones,
em sociedade anônima. Levou
ações ao mercado. Vendeu-as
até o limite da manutenção do
controle acionário pelo município. Enganam-se os que imaginam que o PT pediu a FHC que
brecasse a oferta de ações do
Banco do Brasil por ser contra a
idéia. Quer apenas executá-la a
seu modo. Ou, por outra, à Palocci.
Palocci despejou no livro um
derradeiro raciocínio que, entre
quatro paredes, a companheirada já repete: "Compartilho da
opinião de que quatro anos é
um período bastante curto para
um projeto político de fôlego.
Sou a favor da reeleição".
A criatura Lulocci pisa 2003
com a cabeça em 2006. FHC começou a envenenar o seu governo no instante em que se encantou por idéias desse tipo.
PS.: a quem interessar possa,
Palocci escreveu outros dois livros -"Desafios do Governo
Local" e "Reforma do Estado e
dos Municípios". O difícil é
achá-los.
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