São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO PLANALTO

Livro de 1996 revela quem manda em 2003: Lulocci

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nada mais divertido no entreato de Brasília do que ver Antônio Palocci, 42, medindo cada meia palavra que diz, com o comedimento de um Pedro Malan. O vizir petista tornou-se ás do contorcionismo vernacular. Seus lábios não se movem a esmo. Sobem e descem qual acrobatas do Cirque du Soleil, em coreografias minuciosamente estudadas. Imprensam a língua, como a avisá-la dos perigos da fala desmedida.
Por trás da barba prudente, que fala sem dizer, esconde-se um Palocci de palavras inteiras. Pode ser encontrado nas páginas do livro "Dando a Volta por Cima" (editora Scritta, 1996).
Inútil procurá-lo em livrarias. Foi pescado, sob camadas de poeira, na estante de um ex-ministro de FHC. Por pouco não foi ao lixo. Sorte. Virou obra de consulta obrigatória.
Escreveu-a um Palocci no frescor dos 36 anos. Jovem, não conhecia a autocrítica. Produziu um texto autocontemplativo. Revela os feitos do ex-trotskista que, eleito prefeito, introjetou tendências capitalistas. Sem saber, produziu na Ribeirão Preto dos anos 90 um piloto da Brasília de 2003.
"O nosso programa de governo, baseado no mote da mudança com segurança, procurou, então, ressaltar a importância de valorizar tudo o que a cidade tinha de bom", conta Palocci no livro.
Foi a obsessão do ex-prefeito pela "segurança" que levou Lula a assinar, em junho, a Carta ao Povo Brasileiro, em que o PT promete ao mercado manter tudo o que o receituário de Malan tem de "bom" -do superávit fiscal ao câmbio flutuante.
"De posse do programa", relata Palocci em outro trecho do livro, "fui visitar pessoalmente a maioria dos empresários da cidade". Há pouco, dispensou tratamento idêntico ao PIB nacional, levando debaixo da axila o programa de Lula, cujo alinhavo coordenou.
Como no Brasil de Lula, a Ribeirão Preto de Palocci vivia sob atmosfera de "muita preocupação entre os empresários". Temiam "uma onda interminável de greves e a articulação de um grande movimento social de pressão".
O que fez Palocci? Eleito, anunciou a criação do "Fórum da Cidade, um agrupamento de empresários, sindicalistas e representantes dos demais segmentos da sociedade". Bruxaria igual ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social prometido por Lula.
O Palocci de seis anos atrás preferiu o "argumento" ao "enfrentamento". Sua filosofia? "A maior vitória é aquela obtida sem luta, sem guerra." Não é outra a doutrina que guia os sapatos de Lula "paz e amor" da Silva.
Palocci compôs um secretariado "plural", com "pessoas de vários partidos e também sem filiação partidária". Por quê? "Quando o prefeito opta por fazer um governo exclusivo de um partido -seja ele o PT ou qualquer outro-, as lideranças locais e os demais cidadãos sentem que as portas da administração estão fechadas."
Sob a batuta de Lula, que Palocci ajuda a sustentar com a habilidade de ventríloquo, organiza-se na Esplanada uma orquestra maior do que a banda do PT. Ainda que ao preço da previsível desafinação.
O vice-prefeito de Palocci, Joaquim Rezende, do PSDB, exerceu cargo executivo na administração: a superintendência da empresa municipal de transporte coletivo. Lula também tenta, por ora sem sucesso, quebrar a resistência do vice José Alencar (PL). Gostaria que aceitasse o cargo de ministro.
O prefeito Palocci decidiu dotar Ribeirão Preto de algo "de vital importância": planejamento. "A primeira providência de nosso governo foi criar a Secretaria Municipal de Planejamento, com forte disposição para fortalecer esse setor".
Como Palocci, Lula emitiu, ainda em campanha, sinais de que deseja incrementar a pasta do Planejamento. Deixou hirtos de raiva petistas mais exaltados ao tecer loas à capacidade planificadora dos governos militares.
Como se vê, transita pelo submundo da política nacional uma criatura ainda desconhecida do brasileiro: o companheiro Lulocci -mistura do carisma messiânico de Lula com o cérebro pragmático de Palocci.
A instrutiva leitura do até há bem pouco tempo inservível "Dando a Volta por Cima" permite antever movimentos do governo que está na bica de assumir. Nada de muito mirabolante.
Disse o Palocci do livro: "Qualquer governo progressista tem que mostrar, já nos primeiros dias de mandato, a que veio e, assim, não frustrar a população". Esquentam no forno do PT medidas para a primeira centena de dias de gestão.
Como Lula, Palocci governou sob minoria parlamentar. Tinha 3 dos 21 vereadores. O que fez? "Diálogo, eis a palavra-chave."
Também como o atual chefe, teve de lidar com a escassez de recursos. Perfumou o ambiente para os investimentos privados. "O empresariado passou a ter a prefeitura como ponto de apoio para buscar o crescimento e progredir." Inaugurou "o PT que privatiza".
Transformou a Ceterp, a companhia municipal de telefones, em sociedade anônima. Levou ações ao mercado. Vendeu-as até o limite da manutenção do controle acionário pelo município. Enganam-se os que imaginam que o PT pediu a FHC que brecasse a oferta de ações do Banco do Brasil por ser contra a idéia. Quer apenas executá-la a seu modo. Ou, por outra, à Palocci.
Palocci despejou no livro um derradeiro raciocínio que, entre quatro paredes, a companheirada já repete: "Compartilho da opinião de que quatro anos é um período bastante curto para um projeto político de fôlego. Sou a favor da reeleição".
A criatura Lulocci pisa 2003 com a cabeça em 2006. FHC começou a envenenar o seu governo no instante em que se encantou por idéias desse tipo.
PS.: a quem interessar possa, Palocci escreveu outros dois livros -"Desafios do Governo Local" e "Reforma do Estado e dos Municípios". O difícil é achá-los.



Texto Anterior: Festa da oposição: Casamento reúne Serra, ACM e Roseana
Próximo Texto: Panorâmica - Evento: Encontro em SP debate combate à pobreza
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.