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ALTERNATIVA
Para sociólogo, queda dos juros e redução forçada do consumo da elite elevariam poupança nacional
Jaguaribe propõe novo projeto de desenvolvimentismo
VINICIUS MOTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Dois eventos recentes marcaram a biografia do sociólogo e
cientista político carioca Helio Jaguaribe. Completou 80 anos de
idade em abril e, depois de mais
de 23 anos no cargo, deixou de ser
o decano do Instituto de Estudos
Políticos e Sociais (Iepes). Desde o
dia 1º deste mês, a função é exercida por Francisco Weffort, ex-ministro da Cultura.
As oito décadas de vida e a
"aposentadoria" (agora é decano
emérito do Iepes) não significam
que Jaguaribe tenha se retirado do
debate intelectual. Enquanto começa a enfrentar um novo e ambicioso roteiro de estudos -centrado na indagação sobre "O Posto do Homem no Cosmos", veio
aberto pelo filósofo alemão Max
Scheler (1874-1928)-, não se despe do hábito de propor modelos
de desenvolvimento para o Brasil.
No final do ano passado, Jaguaribe lançou o pequeno volume
"Brasil: Alternativas e Saída" (Paz
e Terra); agora acaba de escrever
um artigo intitulado "Para um
Neodesenvolvimentismo Brasileiro, Nacional e Social".
O objetivo é ambicioso: acelerar
a taxa de crescimento da economia, que foi de 1,5% do PIB no
ano passado e deve manter-se em
patamar semelhante em 2003, para algo em torno de 7%.
Em entrevista à Folha, Jaguaribe disse que, nas suas estimativas,
o Brasil não dispõe de mais do
que duas décadas para atingir um
nível de desenvolvimento suficiente para escapar do clube das
nações dependentes. "É preciso
que, nesses 20 anos, o Brasil atinja
um nível social equivalente ao da
Espanha de hoje e um nível econômico e tecnológico equivalente
ao atual da Itália", afirmou.
Obrigados a poupar
O salto no crescimento, de acordo com a proposta, se daria mediante um rápido e volumoso aumento dos investimentos em setores considerados prioritários.
Para liberar os recursos necessários, o sociólogo defende duas ordens de medidas.
Em primeiro lugar, os juros
reais básicos deveriam ser reduzidos à metade de seu patamar
atual até o fim do governo Lula e
os dispêndios previdenciários deveriam diminuir em função do
PIB através da reforma do sistema
de pensões. Em segundo lugar,
propugna pela adoção de um sistema compulsório de poupança
para os mais ricos.
O contribuinte mais bem aquinhoado seria obrigado a usar parte de sua renda para subscrever títulos de poupança de longo prazo. Os recursos financiariam projetos de investimento prioritários
"de infra-estrutura, de desenvolvimento e, eventualmente, de melhoria social". Parte da renda desses empreendimentos, no futuro,
retornaria aos detentores dos títulos, por exemplo, sob a forma de
juros. Mas como justificar politicamente essa medida drástica?
Segundo Jaguaribe "os setores
altos da classe média européia
têm um nível de vida inferior ao
dos setores altos da classe média
brasileira, o que é um absurdo. Já
que os setores altos da nossa classe média não estão poupando espontaneamente, o interesse nacional impõe a necessidade de
uma poupança compulsória".
Queda substancial dos juros, diminuição do déficit previdenciário e redução forçada do consumo
da elite, de acordo com o que escreve o decano emérito do Iepes,
seriam suficientes para elevar a
"taxa de poupança nacional, ora
da ordem de 18% do PIB, para
não menos de 25%".
O caminho de Lula
Ex-ministro da Ciência e Tecnologia (governo Collor), Jaguaribe
concorda com a opção da gestão
de Luiz Inácio Lula da Silva de,
inicialmente, adotar a ortodoxia
na área econômica. Essa política,
para o sociólogo, logrou aplacar a
desconfiança, gerada por "intrigas domésticas e internacionais",
em relação à atuação de um partido de esquerda no governo.
Mas "o problema que se apresenta a partir dessa conquista é o
seguinte: se continuar assim, continuará o mercado a bater palmas,
e o Brasil vai à breca", diz.
Para que isso não ocorra, é urgente, argumenta, que os "setores
competentes do governo promovam um esforço de planejamento
do modelo alternativo".
Embora tenha tido forte participação na origem do PSDB, Jaguaribe enxerga com ceticismo a trajetória do partido.
"O PSDB perdeu a sua marca
social-democrata. Ficou um partido de uma esquerda muito
"light", muito internacional, muito
"Tony Blair". A meu ver, hoje a
bandeira da social-democracia
está sendo empunhada pelo setor
positivo do PT", afirma.
Porém, para o cientista social, a
melhor solução política seria uma
fusão entre o estrato social-democrata do PSDB e o do PT, devidamente expurgados os segmentos
petistas chamados de "radicais".
Na sua opinião, tal coalizão social-democrata tenderia a ser majoritária no Brasil. Por isso, libertaria o presidente da República da
necessidade de buscar alianças
partidárias ad-hoc -caso das tratativas em curso entre o governo
Lula e o PMDB- e a viabilizar a
implantação de um programa
"neodesenvolvimentista".
Mais que um prefixo
Pode soar estranho que Jaguaribe tenha acrescentado o prefixo
"neo" ao termo "desenvolvimentismo". Afinal, seu nome está associado à corrente nacional-desenvolvimentista do pensamento
brasileiro, que teve no Instituto
Superior de Estudos Brasileiros
(1955-64) [leia box nesta página]
o seu símbolo maior.
Sobre o nacional-desenvolvimentismo, Jaguaribe diz que continua acreditando "no essencial
desse conceito". Mas, segundo o
cientista político, "a palavra ficou
com a conotação de um nacionalismo estreito, e eu sou favorável a
um nacionalismo de fins, e não de
meios, um nacionalismo aberto,
inteligente. Desse modo, agora
prefiro o termo "neodesenvolvimentismo" com forte consciência
nacional e social".
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