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INVESTIGAÇÃO
Propriedade rural em processo de desapropriação teve o valor, a área e a vegetação superavaliados no TRF-SP
União pode pagar R$ 66,4 mi por choupana
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A União poderá ser obrigada a
pagar R$ 66,4 milhões por uma
área rural provida apenas de uma
choupana. A cabana é a única
benfeitoria citada na ação de desapropriação de imóvel, sem valor econômico significativo, no
Parque Nacional da Serra da Bocaina, entre São Paulo e Rio.
A indenização foi determinada
pela Justiça Federal, em São Paulo, com base em laudo pericial de
um falso engenheiro, acusado de
aumentar em 100% a área da propriedade rural e de inflar os valores reais devidos pela União.
O prejuízo aos cofres públicos
corresponderia a algo como o faturamento diário dos shopping
centers paulistas. Seria um dano
maior ao erário do que o desvio
dos R$ 169 milhões do Fórum
Trabalhista do TRT paulista, pois
daquele escândalo sobrou, pelo
menos, um prédio inacabado.
A indenização foi contestada
pelo Ibama (Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis), que entrou
com ação rescisória no TRF-SP
(Tribunal Regional Federal), por
entender que a decisão promove
"enriquecimento sem causa".
O Ibama alegou "violação à disposição literal da lei" e que o julgamento foi "fundado em prova
com sérios contornos de falsidade". Em abril de 2001, o órgão obteve a suspensão provisória do
pagamento, tutela concedida pelo
desembargador Fábio Prieto.
O caso envolve personagens de
decisões questionadas na Justiça:
1) O perito Antonio Carlos Suplicy, condenado a três anos de
prisão por apresentar diploma
falso de engenheiro (ele superavaliou, para desapropriação, um
prédio de uso do TRF-SP).
2) Os desembargadores federais
Paulo Theotonio Costa (afastado
do TRF, acusado de falsificar documentos para favorecer um traficante de drogas) e Roberto Haddad, acusado de falsificar documentos da Receita Federal. Ambos são investigados pelo Superior Tribunal de Justiça por suspeita de enriquecimento ilícito.
Eles mantiveram avaliações de
Suplicy, mesmo quando já havia
provas da falsidade do diploma.
3) O juiz federal Casem Mazloum, que moveu ação cível de
indenização, em novembro último, contra o desembargador Fábio Prieto, a quem acusa de ter
afirmado que ele, Mazloum, proferiu decisões para beneficiar o
juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, do TRT-SP. Juiz convocado no TRF, Mazloum acompanhou voto de Theotonio Costa,
aceitando o laudo pericial de Suplicy no caso da desapropriação.
A ação foi iniciada em julho de
1985 por Amélia Adélia Monacelli
Cherubini, de Jacareí (SP), viúva
de Políbio Cherubini, proprietário de três glebas na serra da Bocaina. O casal já morreu e a ação
segue em nome dos herdeiros, representados pelo advogado Luiz
Roberto de Arruda Sampaio.
Há dúvidas se os Cherubini
eram proprietários ou cessionários (no caso, os valores seriam diferentes). A propriedade em litígio corresponde a três glebas da
Fazenda Veado, em São José do
Barreiro, perfazendo 176,50 alqueires. Mas o laudo pericial contestado considerou a área total da
Fazenda Veado: 350 alqueires.
A Folha visitou a área, no Parque Nacional da Serra da Bocaina,
onde a entrada das pessoas depende de autorização. Na direção
do parque não há registro de levantamento topográfico para laudo pericial daquela propriedade.
Nos autos, o Ibama cita que na
área há superposição das propriedades e ocupação por posseiros.
Silviano Antonio Massarente,
67, fiscal aposentado do Ibama,
indicou à Folha a área da Fazenda
Veado e outra também citada nos
autos como sendo de Políbio Cherubini: a Fazenda Quilombo.
"Os donos da Fazenda Quilombo eram os irmãos Otaviano Alcântara, Benedito Alcântara e Justino Alcântara", diz Massarente.
"Eles passaram a propriedade para o filho, que depois a vendeu para terceiros. Os moradores têm a
propriedade regularizada", diz.
Ele conhece a região há 37 anos.
"Erro substancial"
A União alegou que "o laudo do
senhor perito contém erro substancial que leva à sua nulidade,
pois quer se indenizar o que não
foi desapropriado e nem integra o
patrimônio do Ibama, caracterizando enriquecimento ilícito".
A indenização milionária foi fixada em 1997, na primeira instância, e confirmada pela 1ª Turma
do TRF-SP, em 1998. Mas a professora aposentada Maria Ada
Cherubini, 65, filha mais velha de
Políbio e Amélia Cherubini, até o
mês passado desconhecia que a
indenização havia chegado a R$
66,4 milhões. Soube pela Folha.
Para comprovar a existência da
propriedade na área do parque, os
advogados da família Cherubini
arrolaram duas testemunhas.
O produtor agrícola José Christovão Arouca, 70, lembrou-se que
uma única vez, em 1964, visitara a
gleba, que estava "quase intocada,
com exceção de uma choupana".
Benedicto Alves de Azevedo, de
73 anos, recordou que, em 1972,
foi levado ao local "em companhia do falecido Políbio Cherubini, a fim de visitar a gleba rural".
"Todavia, não adentrou na mesma porque o local era de difícil
acesso e não fazia bom tempo".
As duas testemunhas tinham o
mesmo endereço. Não está nos
autos, mas José Christovão, que já
morreu, era irmão de Osvaldo
Arouca, ex-marido de Maria Ada
Cherubini e um dos beneficiários
da indenização (os irmãos Arouca foram prefeitos de Jacareí).
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