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LAVAGEM DE DINHEIRO
Para alguns, o projeto ameaça violar sigilo profissional; para outros, legislação será ineficaz
Governo quer obrigar advogados a revelar operações suspeitas
ANDRÉA MICHAEL
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A nova lei sobre lavagem de dinheiro, que está em elaboração no
Ministério da Justiça e deverá chegar ao Congresso até dezembro,
tornará obrigatório a advogados
informar às autoridades competentes sempre que realizarem, a
pedido ou em nome de clientes,
operações financeiras, imobiliárias ou empresariais suspeitas.
Os mercados financeiro, imobiliário e de gestão e administração
empresarial são campos férteis
para operações de lavagem.
A diretriz que orienta a elaboração do projeto de lei, apesar de
polêmica, está entre as 40 recomendações do Gafi (grupo de países que coordena a ação de combate à lavagem de dinheiro) divulgadas em junho de 2003.
"Quando o advogado entrar em
operações típicas de mercado, por
exemplo, também deverá ter em
relação a elas as mesmas diligências que as instituições financeiras. O que se quer é que os advogados sejam responsáveis, e temos certeza de que isso -que está acontecendo no mundo todo e
não só no Brasil- será compreendido", disse Antenor Madruga, responsável pelo DRCI
(Departamento de Recuperação
de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional), órgão do Ministério da Justiça especializado em
combate à lavagem de dinheiro.
A polêmica suscitada pela proposta sustenta-se na possibilidade
de que o dispositivo acabe por
violar uma prerrogativa legal e
constitucional sagrada para os advogados: o sigilo profissional. Tal
possibilidade é descartada pela
secretária nacional de Justiça,
Cláudia Chagas: "O sigilo será respeitado". Ainda assim, os profissionais da área de direito ouvidos
pela Folha receberam a idéia com
reservas -maiores e menores.
"É preciso acompanhar isso
com cuidado. Está no limite entre
o sigilo profissional garantido na
Constituição e o exercício profissional ético", afirma o presidente
da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato.
Segundo o constitucionalista
Luís Roberto Barroso, uma lei como essa, em tese, seria constitucional. Mas observa: "É preciso,
no entanto, que as limitações sejam razoáveis e não interfiram
com o direito à ampla defesa e outros valores constitucionais".
Barroso apresentou algumas reflexões sobre os possíveis cenários
da advocacia, caso a proposta se
transforme em lei: "Vejo, então,
duas possibilidades: [diante de
uma demanda] ou o advogado se
recusa a realizar [a operação suspeita], ou informa ao cliente sobre
a necessidade de informar [à autoridade competente] e, então,
decide-se se haverá ou não operação. O que o advogado não pode é
realizá-la sem avisar ao cliente sobre a necessidade de dar conhecimento à autoridade. Estaria, nesse
caso, fraudando o mandato".
Mais refratário à proposta, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro entende que a disposição de atribuir essa obrigação
ao advogado resulta de uma "fúria legiferante", numa referência a
sucessivas tentativas de criar novas leis. Segundo Almeida Castro,
a proposta fere, sim, o sigilo profissional. "O entendimento do Supremo [Tribunal Federal] é consolidado em relação ao sigilo. Mexer nisso é diminuir cada vez mais
os direitos dos cidadãos", afirma.
Especialista na legislação sobre
lavagem de dinheiro, Antonio Pitombo aposta na ineficácia da lei.
"Quando criam a obrigação de fazer delações, não há eficácia. O
governo vai partir para traduções
sem verificar a pertinência disso
na advocacia brasileira. Os advogados não vão dar bola para isso.
Vão punir? Sempre é possível alegar sigilo profissional", avalia.
A principal dificuldade no combate à lavagem de recursos hoje,
diz Pitombo, é instrumental. O
sistema financeiro brasileiro é extremamente informatizado e rápido, o que fascina os criminosos.
"Toda vez que um problema
desse tipo é colocado no âmbito
da reforma de uma lei, alguém está sendo enganado", afirma. Conforme o Código de Ética e o Estatuto do Advogado, o profissional
que transgredir esse limite pode
até ser expulso da OAB, como
aconteceu com Jorgina de Freitas,
que ficou conhecida pela prática
de fraudes contra a Previdência e
foi condenada a 12 anos de prisão.
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