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JANIO DE FREITAS
O jogo das aparências
Muito oportuna a vinda ao
Brasil do novo diretor-gerente do FMI, que transita entre
os resplandecentes gabinetes
brasilienses e o fim de semana
fosco do Rio. Por acaso ou não,
Rodrigo Rato, até há pouco ministro econômico do recém-alijado governo direitista na Espanha, aqui está na abertura da
Semana da Pátria. Momento
agora declarado por Lula como o
mais importante do ano -antes
de tudo, suponho, porque a ele
dá ocasião a mais um discurso e,
a nós outros, a oportunidade de
escapulir no feriado. E, para não
esquecermos o bem-vindo visitante, a Rodrigo Rato o momento permite refazer-se de sua assustada saída de Buenos Aires,
acelerado por protestos furiosos
contra sua presença.
Mas sobretudo é oportuna a
presença do diretor-gerente do
FMI quando o governo, sob o
impulso de sua índole mais verdadeira, convoca o empresariado e entidades civis a providências para dar ostensidade à celebração do Dia do Independência
ou Morte. O diretor-gerente do
FMI aprovou as contas submetidas por Lula e Antonio Palocci
ao seu exame, mas não se sabe se
chegou a ver o documento convocatório do patriotismo de fachada (em duplo sentido, sim,
que a Presidência da República
cobra dos empresários, entre outras nostalgias medicistas, a "decoração de sedes e fachadas").
À falta das mudanças para as
quais Lula foi eleito, o que mais
caracteriza a identidade do
atual governo é sua fixação nas
aparências. Empenha esforços e
e gastos imensos para aparentar-se um governo das causas populares, enquanto pratica uma política econômica beneficente do
sistema financeiro privado, particularmente dos grandes bancos
particulares; e arrocha salários e
vencimentos, pune os usuários
da previdência social e logo também da previdência privada.
Apresenta-se como o governo
sem corrupção e pela moralidade, mas impede investigações
parlamentares e transforma o título de ministro em proteção
contra suspeições de irregularidades ou mais que isso. Todos
muito democratas no Planalto,
porém proponentes de meios de
"controlar e orientar as atividades jornalísticas", que são, no
melhor e no pior, o fundamento
das liberdades democráticas.
Que independência pode celebrar o país cujo governo é orientado, examinado, inspecionado
e sujeitado por uma entidade
alheia ao país? O governo cobra
a exaltação da independência
nacional enquanto se submete
ao mandatário para aprovação
ou crítica do seu grau de obediência. Está certo: farsante pela
metade não é farsante. As falsas
aparências exigem falsidade total.
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