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ELEIÇÕES 2004 / POBREZA EM DEBATE
Sociólogo Eduardo Marques defende território como fator de reprodução da pobreza e diz que isso deveria basear os alvos de políticas sociais
"Território deve nortear gasto social em SP"
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
Geografia, no caso da pobreza,
pode ser destino. Pobres com a
mesma renda, no centro expandido de São Paulo ou no Jardim Ângela (zona sul), têm horizontes de
vida diferentes -com larga vantagem para o primeiro grupo.
Quem sustenta o diagnóstico é o
sociólogo Eduardo Marques, pesquisador do Centro de Estudos da
Metrópole do Cebrap (Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor da USP. Ele
prepara com Haroldo Torres o livro "São Paulo: Segregação, Pobreza e Desigualdades Sociais".
Marques defende que o território é um dos fatores de reprodução da pobreza e deve ser critério
na escolha dos alvos das políticas
sociais. Há pontos, diz ele, onde
investimento deve ser maciço para ter efeito -mesmo que isso
custe deixar fora, momentaneamente, potenciais beneficiários
em outras áreas.
Folha - O sr. defende que se use
um critério territorial para alocar
programas sociais. Por quê?
Eduardo Marques - Baseado em
um diagnóstico complexo, de que
a pobreza não apenas se espacializa, se espraia como um tapete,
mas tem no território uma de suas
facetas. É possível comprovar isso
estatisticamente e também com
estudos qualitativos: grupos
igualmente pobres em locais diferentes têm horizontes diferentes.
Isso tem a ver com contato. A segregação muito intensa causa
uma homogeneidade muito grande, faz com que não tenha contatos. São os contatos que trazem o
emprego, a troca entre modos de
vida, a intensidade das relações
sociais, o fluxo de riqueza para
dentro de comunidades pobres.
Um dos elementos constitutivos
da pobreza é sua dimensão territorial. Defendemos que não só as
políticas de renda mas as políticas
sociais em geral tenham o território como lógica. Assim consegue-se combater essa faceta de reprodução da pobreza que tem a ver
com o próprio território: concentrando recursos em lugares, que,
pela cumulatividade das precariedades, tendem a sorver dinheiro.
Qualquer coisa que você coloque
em lugar muito precário, os "hot
spots", desaparece. Para tirar o lugar daquela situação, você tem de
fazer um esforço concentrado.
Folha - Mesmo que essa escolha
signifique deixar pessoas nas mesmas condições fora do programa?
Marques - Sim. Na verdade, a
política social é sempre assim: pode-se fazer isso implicitamente ou
explicitamente. O cientista Wanderley Guilherme dos Santos diz
que a política social é um conjunto de escolhas trágicas porque
sempre há hierarquia de um problema em relação ao outro, e dentro do problema um grupo social
em relação a outro. A questão é se
se controla o critério de hierarquização, de maneira a fazer da forma mais eficiente e poder aplicar,
depois, em outro lugar.
Folha - Como se situa a escolha
territorial no debate universalização versus focalização das ações?
Marques - Esse é um falso debate. Existem dois sentidos possíveis
para a palavra focalização. O primeiro deles é ser o inverso da universalização no sentido dos direitos: reduzir o escopo dos beneficiários de uma política universal,
ligada às discussões sobre neoliberalismo. A outra dimensão é
constitutiva de qualquer política:
o estabelecimento de prioridades.
Em qualquer ação pública, o gestor indica o que ele vai fazer naquele ano. Ele não está negando o
direito das pessoas que estão fora
daquele lugar, só não está fazendo
lá agora. E por que o segundo sentido é importante? Porque um dos
problemas graves do sistema de
proteção social é o erro de mira.
Melhorar a mira é absolutamente
fundamental. Infelizmente, no
debate, essas duas questões ficaram misturadas. Toda vez que se
vai falar de estratégias de encontrar o alvo não está se falando de
negar direitos. Acertando o alvo, a
possibilidade de aplicar bem e sobrar dinheiro é muito maior.
Folha - Nesse argumento está
embutida a idéia de restrição orçamentária. Antes de tudo, não é preciso mais dinheiro?
Marques - Sim e não. Se tivesse
mais dinheiro, atingiria mais gente. Coisa diferente é conseguir
aplicar bem o dinheiro. Por exemplo, fizemos para seis secretarias
de Educação de SP estudo de
compatibilidade entre oferta e demanda. Há uma dinâmica demográfica muito intensa na população metropolitana. A população
está envelhecendo muito e, em alguns lugares, cai a taxa de fecundidade. Há lugares em que há
equipamentos para crianças muito pequenas e não há criança pequena e as secretarias não sabem.
Se você consegue estudar onde está a demanda e a oferta, consegue
sugerir para as secretarias que
convertam equipamentos.
Folha - Qual impacto do Bilhete
Único e outras ações de transporte
na questão da segregação?
Marques - Ninguém tem idéia
do quanto é [o impacto]. Ninguém consegue afirmar. A distribuição das atividades no território acontece baseada nos mercados de terra formal e informal -a
ilegalidade também tem preço,
casa na favela também custa caro.
Nos valores da terra estão embutidos custos de transporte. Então
quando você muda tão radicalmente os custos de transporte como o Bilhete Único, muda potencialmente a localização de uma
enorme quantidade de grupos sociais e atividades econômicas, especialmente as de baixa renda.
Em atividades econômicas empregadoras de baixa renda, que é
quem usa transporte e que tem esses custos como significativos: é
possível que a distância econômica se encurte. Os locais de classe
média e de classe média baixa tendem a ficar mais baratos, porque
perdem a vantagem que tinham
da proximidade. E os de renda
baixa tendem a ficar mais caros.
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