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PROJETO PETISTA
Meta é assentar 60 mil famílias no ano; falta verba para indenizações
Reforma agrária do governo Lula imita o plano de Sarney
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Documentos oficiais revelam:
vendida como projeto "do século
21", a reforma agrária do governo
Lula imita uma iniciativa arcaica.
Chama-se PNRA (Plano Nacional
de Reforma Agrária). Foi concebido em outubro de 1985, sob o
governo José Sarney.
O plano do ex-presidente baseou-se em lei ainda mais remota:
o conhecido Estatuto da Terra. É
de novembro de 1964. Traz a assinatura do general Castello Branco
(64-67), primeiro mandatário do
ciclo militar.
A política fundiária de Luiz Inácio Lula da Silva começou a ganhar forma entre 5 e 8 de março,
num encontro apelidado de "Oficina de Planejamento e Gestão".
Deu-se no município goiano de
Pirenópolis, longe da curiosidade
de jornalistas. O resultado foi ao
papel em 25 de março.
Não é ainda um plano acabado.
O título -"Termos de Referência"- empresta-lhe um ar de um
esboço. É o primeiro passo rumo
à "reforma do século 21", como a
define o ministro Miguel Rossetto
(Desenvolvimento Agrário).
A Folha obteve cópia do documento. Esmiuçado em planilhas
eletrônicas, foi exposto em seminários promovidos pelo Incra, na
semana passada. Embora não tenham dado crédito à fonte, os técnicos a serviço de Rossetto beberam do decreto 91.766, que instituiu o PNRA de Sarney.
Foi baixado numa época em
que redemocratização brasileira
engatinhava. O MST (Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra) começava a consolidar-se
nacionalmente, sob o lema "terra
não se ganha, se conquista". Em
resposta, surgiu a UDR (União
Democrática Ruralista). O embate entre as duas forças ateou fogo
ao campo, freando a reforma da
"Nova República".
Pai de Graziano
Um detalhe genético liga o plano de Sarney à Brasília de Lula. O
documento foi redigido sob a
coordenação do presidente do Incra de então, José Gomes da Silva.
Vem a ser pai de José Graziano da
Silva, ministro do Fome Zero.
A reportagem comparou os
dois programas. Pinçou-lhes frases que não deixam dúvidas
quanto à prática de uma espécie
de plágio administrativo (veja
quadro ao lado). Contêm filosofia
idêntica. Baseiam-se nos mesmos
pilares. Eis alguns deles:
1) desdobramento do Plano Nacional de Reforma Agrária em
planos regionais;
2) definição de áreas prioritárias
para efeitos de reforma agrária;
3) obtenção de terras em áreas
de conflito, onde haja concentração de acampamentos de sem-terra;
3) assentamento dos trabalhadores preferencialmente nas
áreas onde se encontram;
4) reformulação do aparato jurídico;
5) primazia absoluta à desapropriação como forma de obter terras;
6) valorização do cooperativismo e do associativismo rural;
7) recuperação de assentamentos antigos;
8) fortalecimento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária);
9) amplo envolvimento dos movimentos sociais.
A papelada manuseada pela Folha apresenta as primeiras metas
do novo governo para o ano de
2003. Lula quer assentar 60 mil famílias até dezembro. É nada se
comparado ao número de pessoas que, pelas contas do MST,
demandam terra: perto de 5 milhões de famílias.
Os planos do PT vêm à luz natimortos. Falta-lhes o essencial: dinheiro. Antes de assentar é preciso desapropriar fazendas. Desapropriação exige indenização. O
ministro Rossetto dispõe de R$
250 milhões. Com sorte, conseguirá levar à terra 27 mil famílias.
Havia mais dinheiro: R$ 462 milhões. Os cortes prescritos pelas
autoridades econômicas comeram R$ 212 milhões. Não se deve,
porém, pôr toda a culpa na tesoura do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda).
O time de Rossetto estima que a
expropriação de solo bastante para plantar 60 mil famílias (1,9 milhão de hectares) custaria R$ 1,2
bilhão. Ou seja, faltaria verba de
qualquer jeito. Buscam-se alternativas.
Os papéis oficiais mencionam
três caminhos: aproveitar lotes
vagos em assentamentos já existentes, retomar terrenos ocupados indevidamente e usar terras
públicas.
Ainda que tudo dê certo, a gestão Lula continuará flertando
com insucesso. Terá de transpor
outro obstáculo monetário. Falta
verba também para financiar a
vistoria de terras. Estima-se que,
até o final de 2003, serão necessários R$ 21,7 milhões. Há em caixa
R$ 8 milhões. Conta-se com uma
hipotética suplementação orçamentária.
Admitindo-se que a nova dotação se materialize, a pasta de Rossetto ainda não terá se livrado do
risco de malogro. Assentadas as
60 mil famílias, o governo terá de
dar-lhes crédito: R$ 8.600 para cada uma. R$ 516 milhões no total.
Estão disponíveis R$ 247,8 milhões.
Além de implantar assentamentos novos, Rossetto deseja recuperar os antigos. Até o final de 2003,
espera beneficiar 40 mil famílias
já assentadas. A documentação
diz que foram lançadas à terra pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sem condições mínimas de sobrevivência.
Falta-lhes assistência técnica,
habitação, água, luz e estradas. De
novo, as boas intenções tropeçam
na falta de numerário. O resgate
parcial foi orçado em R$ 161,8 milhões. Contra uma disponibilidade de R$ 134 milhões.
A despeito da penúria e do arcaísmo, os planos agrários do governo agradaram à platéia que
participou dos seminários em que
foram expostos na semana passada. Reuniram técnicos do governo, representantes de organizações como o MST, sindicalistas e
olheiros de Estados e municípios.
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