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JANIO DE FREITAS
A hora do suspense
A nova configuração das pesquisas eleitorais, com a chegada de Ciro Gomes ao segundo lugar de José Serra, contém menos
novidade do que aparenta. Mas
traz, senão uma promessa de novidades para a próxima série de
pesquisas, por certo um suspense
capaz de dar à disputa eleitoral
algum interesse que independa de
novas contribuições da Polícia
Federal e do Tribunal Superior
Eleitoral -duas entidades que
não deveriam aparecer juntas
nem pela pobre rima.
Aplicada a margem de erro do
Datafolha, de dois pontos percentuais a mais ou a menos, pode-se
considerar que Luiz Inácio Lula
da Silva e José Serra mantêm-se
estáveis, o primeiro passando de
40% para 38% e o segundo, de
21% para 20%. Convém observar,
porém, que o valor dessa estabilidade não é o mesmo para os dois.
Lula equilibra-se apesar do
bombardeio, nas últimas semanas, de páginas e páginas de cada
diário e de vasto tempo nos telejornais e rádios, no esforço óbvio
de produzir reflexos do caso Santo
André sobre a candidatura de
PT-PL. Serra permanece na mesma faixa embora a exposição privilegiada que recebe da mídia. O
impacto das pesquisas é oferecido, claro, por Ciro Gomes (excetuada a do Sensus, que precisaria
refazer suas contas, depois da subida meteórica e não confirmada
que proporcionou a Serra, sob patrocínio da confederação de
transportes conduzida por um
candidato serrista em Minas).
Os 63% de crescimento no índice de Ciro, elevando-o de 11% para 18%, representam duas retribuições. A primeira, à inteligente
tática de guardar para junho os
seus programas de TV e rádio, depois que os demais candidatos
gastassem os seus. E Ciro nem
contou com todo o tempo esperado, dada uma intervenção do
TSE que o excluiu do horário do
PTB, um dos partidos de sua coligação. Só por tal tática, a subida
de Ciro já era esperada.
Houve ainda o segundo fator:
em suas aparições todas, Ciro dá
respostas consistentes às questões,
como todos parecem desejar.
Mesmo Vicente Fox, que andou
por aqui mais com ares de emissário dos americanos inquietos,
levou de volta uma resposta assim. Enquanto os três outros lhe
disseram que a Alca, o pretendido
livre comércio nas Américas, é
improvável aqui enquanto os Estados Unidos mantiverem barreiras a produtos brasileiros -uma
obviedade-, Ciro entrou por
uma vereda rigorosa: a produção
americana paga juros de 1,75%
ao ano, logo, enquanto os juros
no Brasil não descerem dos 19% a
uma taxa decente, a indústria
brasileira seria devastada pela
Alca. Esse tipo de resposta funciona muito melhor, em toda parte,
do que as resposta genéricas dos
outros candidatos.
Outra vez considerada a margem de erro de dois pontos percentuais, Serra e Ciro tanto podem estar nas posições indicadas
como podem estar ambos com
20% ou com 18%, por exemplo, e
Ciro pode mesmo estar sozinho
em segundo, até com dois pontos
de folga. Daí o suspense. Estimulado ainda pelo início, a partir de
agora, da campanha aberta e da
exposição e confronto direto dos
candidatos. Uma etapa em que
Serra e Lula padecem de certa
desvantagem em relação a Ciro e
a Anthony Garotinho.
Enquanto esses dois podem ser
explícitos nas considerações e nas
propostas, como o eleitorado
aprecia, Serra e Lula precisarão
ser mais criativos do que nunca,
para passar os seus recados. Serra
é o candidato peculiar, candidato
governista que acha o governo
muito errado e, portanto, a clareza e a objetividade o embaraçam
até para falar de suas propostas.
Por ora, quase todas as questões o
levam à evasão mais rápida possível. A teoria de que a melhor estratégia de Serra é "grudar em
Fernando Henrique" não mostrou, até agora, a menor eficácia.
Se o senador Gerson Camata não
leva a mal, o que fez Serra subir
foi grudar em Rita Camata. Convenhamos que assim qualquer
um subiria.
Lula está em um tribunal. Não
só o tribunal dos eleitores, como
todos os candidatos, mas um tribunal de exceção, à maneira das
ditaduras. Tudo o que diga, não
importa o sentido, acaba sendo
voltado contra ele. Se apresenta
novas posições, não merece ser
acreditado. Se não as tem, é inaceitável. Foi típica, no meio da semana, a reação à sua proposta de
que estatais sejam presididas por
técnicos dos seus quadros. A resposta de um professor de administração, Roberto Leal, sintetiza
bem o teor generalizado: "Quem
disse que o interesse do acionista
de uma empresa estatal é ter o
presidente escolhido pelos funcionários, em detrimento dos demais? Por que outros acionistas
não podem votar?".
A boa fé e a seriedade da reação
se avaliam por uma paródia dela:
e quem disse que o interesse do
acionista de uma empresa estatal
é ter o presidente escolhido em
conchavos que misturam politicagem e conveniências de mesmo
quilate, como é da norma vigente? Os quadros técnicos das estatais brasileiras são de primeiríssimo nível. Mas o que leva um Philippe Reichstul ou um Francisco
Gros a presidir uma das maiores
petrolíferas do mundo são outros
muitos quinhentos. Como sabem
muito bem todos os professores,
empresários e demais integrantes
do tribunal de exceção.
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