|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
PT e PSDB: tudo a ver (a crítica da crítica da exceção)
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
É sinal de bons ventos na vida
intelectual brasileira que Francisco de Oliveira, hoje professor de
sociologia da USP, esteja vivendo
um período de inquietude teórica
como militante do PT, ele que
bem de perto viu nascer no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento) a paidéia tucana,
tendo sido amigo de alguns caciques do PSDB, um partido político que possui o dom milagroso de
transformar alguns professores
universitários em donos de banco, assim como o PT detém a fórmula mágica de, graças aos fundos públicos, converter os operadores sindicais dos trabalhadores
na nova classe social emergente
que tomou o poder em 2003.
Isso numa sociedade semi-desestatizada, numa nação que não
tem o controle de seus patrimônios biominerais estratégicos, em
que 60% da força de trabalho está
engajada na informalidade econômica, tendo diuturnamente a
cabeça feita pelas mensagens de
telenovela e de programas de auditório.
Ao perguntar que tipo de capitalismo medra nesta ex-colônia
de "plantation", ou neste ex-país
subdesenvolvido, Francisco de
Oliveira, um pernambucano marxista regionalmente adversário da
razão dualista não deixa de ficar
perplexo diante da nossa anomia
societária, tanto que em sua prosa
a palavra mais recorrente é "exceção", de modo que ao leitor acode
o desejo de saber que é e onde está
a regra, dando por suposto que a
metástase da exceção não é coisa
boa à vigência da democracia.
E aqui entra o destino da periferia, a maldita fatalidade histórica
de termos chegado cedo demais
no capital financeiro, e não termos chegado ainda no capitalismo propriamente dito. Essa anomalia, esse escotoma, esse monstrengo é a raiz da exceção, ou melhor, a regra da exceção, o paradoxo da "ausência de relação mercantil num mundo e numa sociedade totalmente mercantilizados", no dizer de Francisco de Oliveira.
Essa análise feita sob o prisma
do capital e trabalho deixa contudo de salientar que há um lugar
onde a exceção não senta praça: é
no território físico dos trópicos. É
nessa fisicalidade da natureza que
se encontra o segredo para a compreensão dos novos botes do colonialismo do século 21, o século
da maior crise energética na história da humanidade. Dir-se-ia
que a engelsiana dialética da natureza, com a ênfase posta na energia que precede a relação capital e
trabalho, colocará as regiões intertropicais do planeta no epicentro da história.
Essa é a regra do jogo geopolítico, cujo desdobramento vai nos
indigitando que efetivamente o
que importa para o poder mundial instrumentalizador da "dívida externa" é o sol e a água doce
do novo mundo, e não a brava
gente que o habita, de modo que a
reprodução da herança espermática passa a ser a exceção diante da
natureza dos trópicos. O antigo
moinho de triturar gente converte
a população num traste descartável. Apartheid social é eufemismo
para designar o extermínio em
curso e, no plano cultural, a amnésia desse extermínio. Estamos
aqui lidando com uma inusitada
mediação energética que não estava embutida no conceito de genocídio do "Manifesto do Partido
Comunista" de Marx e Engels, autores que não chegaram em suas
vidas a experimentar a fruta jabuticaba da terra do escritor José de
Alencar.
Mencionei a sua inquietude teórica para dizer que Francisco de
Oliveira está fazendo a revisão, ou
a autocrítica, do que se passou nas
últimas décadas, cuja sociologia
política chapa branca deitou e rolou em cima de um conceito anfibológico e malandro como o de
populismo. Daí o ensejo jubiloso
de no futuro ele vir a discorrer sobre a complexa questão do nacionalismo trabalhista a partir de 30
e os seus percalços na sociedade
brasileira; afinal, o conceito de
populismo serviu para desqualificar a tradição do trabalhismo que
é anterior ao aparecimento do PT
em 1979, no ABC paulista.
Francisco de Oliveira, em seu
último artigo, à semelhança do
ocorrido com o estalo de Vieira,
publicado na revista "Margem Esquerda", está se dando conta agora de que existe convergência material e política entre o PSDB e o
PT, ambos de olho gordo nos fundos públicos de investimento, sob
a indefectível pata do capital financeiro, o que para Francisco de
Oliveira depõe contra a existência
do PT, considerado por ele um
dos mais importantes partidos
políticos de esquerda do mundo.
E aqui de novo avulta o paradoxo: trata-se de um partido de esquerda que é xifópago de um partido de direita. PT e PSDB: tudo a
ver. Convém prestar atenção nesse neologismo: o chamado "petucanismo" é a identidade ideológica da política em São Paulo depois
do golpe de 64. A xifopagia petucana surge como o reflexo financeiro da política paulistocêntrica
recolonizadora dos Brasis ferrados e excluídos. Assistimos à estranha dialética do mesmo: ao
príncipe da moeda sucede a plebéia esmola da moeda. A palavra
"cidadania" virou sinônimo de
tapa buraco, assim como pela taxa entrópica de redundância está
cada vez mais insuportável ouvir
a retórica sobre o "transparente".
Apesar dos esforços do nosso
chanceler glauberiano, Celso
Amorim, a questão da impotência do Brasil como sujeito da história consagra entre os intelectuais a safada ideologia pós-moderna: a nação já era. Francisco de
Oliveira anda jururu com o PT,
que tem jogado fora os milhões de
votos, por carecer de um projeto
popular e nacional, comprazendo-se em atitudes meramente midiáticas e de cunho assistencialista. Não é por aí que se vai alavancar o país, cujo enorme exército
de reserva (os desempregados) o
PT não sabe como dar jeito, já que
não tem nenhum plano estrutural
para empregar a massa da população.
A criação de milhões de empregos não se faz com lágrimas, nem
com embalo da má consciência
teológica e os torneios distributivistas das rendas mínimas de cidadania. O velho Iseb (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros),
tão vilipendiados pelos novos
mandarins da sociologia informava que a contradição radicular
do povo brasileiro estava na contradição nação versus antinação.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de "A
Salvação da Lavoura" (Casa Amarela), "O
Príncipe da Moeda" (Espaço e Tempo) e
"Collor, a Cocaína dos Pobres" (Editora
Ícone), entre outros livros.
Texto Anterior: Biblioteca Folha: "O Fio da Navalha" é o próximo romance Próximo Texto: Público & privado: ONG presidida por Marisa cobra de empresas Índice
|