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PÚBLICO & PRIVADO
Organização pede doações para o Fome Zero a pelo menos cem grandes empresários e estipula valores
ONG presidida por Marisa cobra de empresas
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A ONG Apoio Fome Zero, que
tem como presidente de honra a
primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, está cobrando doações
de empresas para o principal programa social do governo federal,
o Fome Zero.
Em carta enviada no dia 20 de
outubro a pelo menos cem grandes empresas e bancos do país, a
Apoio Fome Zero pede contribuições e sugere que os valores sejam
proporcionais ao faturamento
bruto anual das empresas. Os valores mínimos estipulados variam
de R$ 100 a R$ 2.500,00 mensais.
O tom imperativo da carta somado à ligação da ONG com o governo federal não agradou aos
empresários.
Diz o texto: "A empresa poderá
optar por uma das faixas de contribuição acima, respeitando a
contribuição mínima, que está associada ao faturamento bruto
anual da empresa".
Junto com a carta foram enviados boletos bancários para o pagamento das primeiras contribuições. Cabe à empresa preencher o
valor a ser pago, dependendo do
seu faturamento.
O diretor-executivo da ONG,
Walter Belik, afirma que a primeira-dama não participa da administração da entidade e que os
empresários, para quem a carta
foi enviada, são associados que
aderiram à instituição em julho.
"Não estamos achacando ninguém", afirmou Belik.
Ouvida, a assessoria da primeira-dama confirmou que ela não
participa das questões administrativas da ONG. A carta que desagradou aos empresários foi assinada pela coordenadora financeira, Karla Rodrigues.
Ligação com o Planalto
A ONG Apoio Fome Zero foi
lançada no dia 8 de julho em São
Paulo é, juridicamente, uma organização da sociedade civil de interesse público. Como se depreende
do seu nome, a entidade visa
apoiar o Fome Zero.
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva discursou por 26 minutos no
lançamento da ONG. Sua mulher
foi apresentada aos cerca de 1.200
empresários presentes como presidente de honra.
Quem toca a instituição é o consultor Antoninho Marmo Trevisan, amigo de Lula. Ele é membro
da Comissão de Ética Pública do
governo federal, ligada à Presidência da República, mas não é
funcionário do governo.
Coube a Trevisan convidar os
empresários para participar da
ONG. Aderiram empresas como
Votorantim, Ford, Companhia
Siderúrgica Nacional, Nestlé e
ABN Amro Real.
A instalação da ONG foi financiada pelos empresários José Carlos Marques Bumlai (da Pecuária
JB) e José Alberto de Camargo
(Companhia Brasileira de Mineral e Metalurgia).
Só em outubro a Apoio Fome
Zero enviou a carta cobrando as
contribuições dos associados -
as mesmas cem empresas que
aceitaram, em julho, integrar a
ONG, inclusive subscrevendo um
termo de adesão.
Nem todos os empresários que
aderiram à ONG aprovam integralmente o programa Fome Zero, caso de Antônio Ermírio de
Moraes, da Votorantim. Ele afirmou, em pelo menos duas entrevistas, em outubro e novembro,
que o programa é uma "esmola" e
que os pobres querem emprego
para pagar as próprias contas.
Mal-estar
As reclamações dos empresários -feitas longe do Palácio do
Planalto- em relação ao tom imperativo que vem sendo usado pelo governo e seus aliados ao pedir
dinheiro para financiar a área social foi, segundo a Folha apurou,
um dos motivos pelos quais Oded
Grajew, ex-assessor especial da
Presidência, deixou o governo, no
início do mês passado.
Grajew é veterano mobilizador
dos empresários para questões
éticas, caso da erradicação do trabalho infantil. Trouxe para o Brasil o conceito de responsabilidade
social e criou o Instituto Ethos.
O instituto, sem apoio do poder
público, conseguiu associar 800
empresas, muitas das quais aderiram à ONG Apoio Fome Zero.
Parte da rotina de Grajew no
Ethos era pedir aos empresários
contribuições financeiras para
campanhas de cunho social, na
maioria das vezes sem nenhuma
ligação com o poder público.
Convidado para ser assessor especial de Lula, a situação mudou.
De companheiro dos empresários, Grajew virou governo.
Novamente chamados por Grajew a contribuir, os empresários
compareceram, mas, nos bastidores, comentaram fartamente que
uma coisa é participar do Ethos e
outra, dos programas federais.
Os primeiros sinais de desgaste
nessa relação surgiram em maio,
depois que Grajew enviou cerca
de mil cartas a empresários, solicitando que remetessem um relato sobre as atividades que suas
empresas ou associações de classe
estavam fazendo em benefício do
programa Fome Zero.
Grajew nega que tenha saído do
governo por causa disso ou que
tenha sido hostilizado pelos antigos companheiros. Prefere lembrar que, por causa de sua passagem pelo Planalto, conseguiu financiamento para 10 mil cisternas no semi-árido nordestino.
Facilidades
"É evidente que a proximidade
de uma ONG com o governo facilita a captação de recursos entre
os empresários", diz Augusto de
Franco, ex-secretário-executivo
do Conselho da Comunidade Solidária no governo de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002). O
conselho criou oito ONGs e a ex-primeira-dama Ruth Cardoso
trabalhou para captar recursos
para essas instituições.
Franco diz que a força do poder
público remonta ao período colonial: "O Brasil teve Estado antes
de ter sociedade civil. O Estado
chegou aqui de navio".
Léo Voigt, do Gife (Grupo de
Instituições, Fundações e Empresas), afirma que a proximidade
entre o poder público e uma ONG
confere à instituição "maior poder de interpelação e de convencimento". Voigt ressalta que o governo não precisa pressionar os
empresários a investir nos seus
projetos."Eles contribuem como
uma forma de se aproximar."
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