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PÚBLICO & PRIVADO
Para Francisco de Oliveira, impossibilitado de fazer macropolítica, o Estado faz "simulacro de política social"
ONGs auxiliam neopopulismo, diz sociólogo
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não é gratuita a relação entre
programas tipo Fome Zero e as
ONGs. Para o sociólogo Francisco
de Oliveira, as organizações não-governamentais são instrumentos auxiliares de uma nova forma
de populismo que ele diz ver surgir -não só no Brasil, mas "em
toda a periferia" mundial.
O Estado nacional, afirma o
professor emérito da USP, incapacitado de realizar políticas públicas universais -que eram, afinal de contas, uma de suas razões
de ser-, passa a ter nos "simulacros de política social" -cartõezinhos a granel- uma de suas
principais fontes de legitimação.
"Estados nacionais se legitimam por meio dessas políticas da
pobreza. Eles não têm mais poder
para fazer a macropolítica, então
vão fazendo essas micropolíticas,
que chamo de funcionalização da
pobreza", afirma. "Essas políticas
segmentadas são o conduto de
um novo populismo."
"Aí existe um risco de populismo. Que não é aquele dos anos 40
e 50. Aquele populismo se definia
pela inclusão da classe trabalhadora na política pela via autoritária. Agora é a exclusão dela da política. É o oposto. Pode não ganhar formas protofascistas, como
a literatura dos anos 40 e 50 sugeria, mas é mais manipulável até."
As ONGs são "subsidiárias"
desse processo por terem essa capacidade de, para usar um termo
caro aos economistas do Ministério da Fazenda, focalização, que
os partidos ou o Estado não têm.
Para Oliveira, tanto o neopopulismo quanto o que chama de
"onguismo" são o resultado do
fim da relação tradicional entre
grupos sociais, seus interesses e a
política, antes fundamentada no
trabalho formal.
O sociólogo afirma que não é
possível pensar a política -ao
menos não aquela que foi praticada ao longo do século passado-
fora dessas relações de interesse
-uma classe, um grupo social,
que tem interesses específicos e se
organiza em um partido político.
Com a dissolução do trabalho
formal, enfraquecem as relações
de classe e de interesse, e portanto
também a política. Cria-se uma
"massa de trabalhadores chamados informais" que "não têm enquadramento político e estão à
disposição".
"Esse é um problema que está se
apresentando em toda a América
Latina, em toda a periferia. É um
pouco o problema do [Hugo]
Chávez", ele diz.
Não se trata, para Oliveira, de
dizer que o presidente venezuelano é populista. Ao contrário, as
dificuldades de sua gestão estariam exatamente na quase impossibilidade de articular politicamente uma massa empobrecida
que se encontra fora das relações
formais de trabalho.
Crise da política
Essa crise da política, e mais especificamente dos partidos, foi a
princípio uma das causas mesmas
do surgimento das ONGs, afirma
o sociólogo. "No início elas foram
uma forma nova de vocalização
de questões que as formas políticas não tinham capacidade de
processar -o feminismo, a questão indígena, as etnias minoritárias, o meio ambiente", diz.
Exatamente por causa de seu
fundamento nas relações de trabalho, "as formas políticas tradicionais, o partido sobretudo, não
tinham capacidade de processar
[essas novas questões]". "Eram
novidades do ponto de vista social. As ONGs foram o veículo e a
voz disso."
Com o que Oliveira considera
uma implosão sem volta do trabalho formal, as ONGs mudam de
figura. "No passado, elas foram
sintoma de algo que a política não
sabia processar. Agora são um
sintoma de algo que não pode ser
processado pela política. A colocação do verbo faz a diferença."
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