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OPERAÇÃO ANACONDA
Gravações feitas por Norma Cunha tratam de questões patrimoniais, familiares e pessoais, em meio a ofensas
Em fitas, ex-mulher tenta incriminar juiz
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O conjunto de 14 fitas comuns e
20 minicassetes apreendido pela
Operação Anaconda no apartamento de Norma Regina Emílio
Cunha, 54, ex-mulher do juiz federal da 4ª Vara Criminal de São
Paulo, João Carlos da Rocha Mattos, 55, revela a estratégia de Norma em captar conversas comprometedoras para o juiz.
As fitas, às quais a Folha teve
acesso, são citadas como indícios
de irregularidades pela Polícia Federal no último relatório parcial
da operação, feito em 21 de novembro, já com o resultados das
buscas e apreensões realizadas
nas casas e escritórios das oito
pessoas presas sob acusação de
integrar uma quadrilha com ramificação na Justiça Federal.
São aproximadamente 19 horas
de gravações, a maioria feita no
telefone do apartamento de Norma na praça da República, no
centro de São Paulo, ao qual ela
acoplou um gravador. Na maior
parte do tempo, ela faz ataques
pessoais contra Rocha Mattos,
dando sinais de que está com ciúmes dele por causa de mulheres,
as quais sempre desqualificada
com palavrões ou acusações de
roubo, ou reclamando de uma suposta falta de atenção do ex-marido para com o filho do casal.
Ao telefone, Norma faz diversas
provocações, relacionando nomes de políticos, advogados e outros juízes a possíveis negociatas
orquestradas pelo ex-marido. Ela
pretende que ele confirme os relatos. Também o acusa constantemente de colocar imóveis e carros
em nomes de terceiros. "Idiota
que gastou R$ 500 mil neste ano"
é uma das descrições de Mattos
mais leves feitas por Norma.
Ofensas
Quase sempre o juiz responde
evasivamente, pede "paz" ou responde com irritação. "Você não
está bem da bola", diz, certa vez.
"Por favor, tenha um pouco de
equilíbrio", reclama, quando a ex-mulher começa a gritar ao telefone. Várias discussões são travadas
na presença do filho do casal, de
13 anos (por vezes é possível ouvir
a voz do garoto ao fundo, ou então Norma o coloca ao telefone
para falar com o pai). Numa das
vezes, Norma chega a orientar o
menino a como ofender o pai. O
garoto repete tudo ao telefone.
Em outras conversas, no entanto, as tentativas de Norma parecem ter produzido resultados.
Rocha Mattos acaba admitindo
que estava em negociações com
Fausto Solano -acionista minoritário da corretora de valores Boa
Safra e réu em processo que corre
na 4ª Vara por conta do escândalo
dos precatórios- para que ele
passasse um apartamento no
Uruguai para o nome de uma terceira pessoa, identificada como
"Valter Lasserre". Pelo que a polícia infere, esse apartamento seria
um pagamento relativo à venda
de sentença judicial.
"O problema é que ele não tem
dinheiro, porque ele não tem
mesmo", conta o juiz. A transmissão do imóvel acabou não sendo
feita, segundo Rocha Mattos, que
teria então sugerido colocar o
imóvel em nome de uma empresa
offshore [com sede virtual em paraísos fiscais] que fora aberta anos
atrás pela própria Norma. A ex-mulher diz que já fechou a empresa, na qual já teria gasto US$ 12
mil pela fundação e manutenção.
"Caixa"
Em outro trecho das conversas,
Rocha Mattos faz um relato espontâneo sobre um episódio em
que um homem identificado como "Roberto" teria estado com
ele portando R$ 100 mil. Rocha
Mattos teria então o orientado a
trocar o dinheiro por dólares. A
transação acabou rendendo US$
38 mil, pelo câmbio da época.
Norma pergunta se o dinheiro
era para "dar para o Casem Mazloum [juiz federal]". Seu ex-marido responde afirmativamente.
Acrescenta que o dinheiro iria
também para "Adriana". A PF inferiu tratar-se de Adriana Soveral,
juíza federal de São Paulo. Não fica claro, na conversa, qual o objetivo desses pagamentos.
Consultas espirituais
O mais recente relatório parcial
de inteligência policial da Operação Anaconda, concluído no último dia 21 pelos delegados Élzio
Vicente da Silva e Emanuel Henrique Balduíno de Oliveira, usa esse trecho da conversa para reforçar a acusação contra Norma.
Segundo os delegados, o fato de
Norma se recordar da transação
seria mais um indicativo de que
ela operava como "caixa da organização criminosa".
Ex-auditora da Receita Federal,
tendo admitido ter contas bancárias e casa nos EUA, com cerca de
US$ 550 mil em dinheiro estocados em casa -valor apreendido
pela Operação Anaconda-, Norma aparece em conversas também debatendo consultas com
um "guia espiritual" e atuando
para fazer um "trabalho espiritual" para ajudar Rocha Mattos.
Norma parece preocupada com
a possibilidade de problemas iminentes. Numa discussão com o
ex-marido, diz que iria com ele "a
qualquer lugar", menos para "a
cadeia" -ambos estão presos
desde o último dia 30.
Numa gravação, a ex-auditora a
empregada da casa do juiz comentam que ele tem brigado
"muito" com a vizinhança e que
sua vida está "um problema".
Norma pede que a empregada
consiga uma foto da "amante" do
juiz. "[Vamos] ver se a gente arruma algum jeito, algum material,
para desmanchar esse feitiço."
Em outro momento, Norma decide gravar a consulta que faz com
o que seria uma vidente. "Tem alguma coisa ruim chegando",
pressente Norma, numa conversa
gravada. "Aqui [nas previsões] dá
perseguição da Justiça. A gente
vai ter que trabalhar muito", raciocina a "guia".
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