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HISTÓRIA OCULTA
Historiadores reclamam de decreto de FHC que amplia por tempo indeterminado acesso a documentos sigilosos
"Sigilo eterno" inviabiliza pesquisa no Rio
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que
ampliou por tempo indeterminado o acesso a documentos sigilosos, está prejudicando a pesquisa
histórica sobre o regime militar
no Rio de Janeiro.
Alunos de mestrado em História Social da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro), orientados pelo historiador Carlos Fico, foram impedidos pela direção
do Arquivo Nacional, órgão vinculado à Casa Civil, de acessar a
documentação da extinta DSI
(Divisão de Segurança e Informações) do Ministério da Justiça.
A proibição se baseia no decreto
4.553, de 2002, sancionado por
FHC na última semana do seu governo e que entrou em vigor sob a
gestão do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, há quase um ano
-no dia 13 de fevereiro de 2003.
O decreto amplia os prazos de
sigilo dos documentos públicos
(reservado, confidencial, secreto e
ultra-secreto). No caso dos ultra-secretos, eleva a classificação de
30 para 50 anos, com renovação
por tempo indeterminado.
A ampliação é inconstitucional,
porque fere a Lei de Arquivos
(número 8.159/91), que fixa o limite de inacessibilidade à documentação sigilosa por até 30 anos,
renováveis por mais 30.
"Este decreto bloqueia o trabalho do historiador, e é uma aberração que Lula ainda não o tenha
revogado, tendo em vista a sua indiscutível trajetória democrática", disse Fico, que é autor de
"Como Eles Agiam - Os Subterrâneos da Ditadura Militar: Espionagem e Polícia Política", livro
que revela técnicas e funcionamento dos sistemas de segurança
e informação do regime militar.
O livro de Fico foi escrito com
base em relatórios, processos e
documentos da DSI do Ministério
da Justiça, que funcionou entre
1968 e 1985. Segundo o historiador, em todos os ministérios, autarquias e fundações públicas havia uma DSI que tinha a função de
identificar possíveis subversivos
em seu quadro funcional.
As DSI trocavam informações
com os mais diversos órgãos de
segurança do regime militar, como o SNI (Serviço Nacional de Informações), CIE, Cisa e Cenimar
-os centros de informação do
Exército, Aeronáutica e Marinha.
"O acervo da DSI do Ministério
da Justiça foi o único transferido
para o Arquivo Nacional até hoje.
Há uma imensa quantidade de
documentos que eu não consegui
pesquisar e que agora estão novamente inacessíveis por conta do
decreto", disse Fico.
O historiador Sérgio Henrique
da Costa Rodrigues, orientando
de Fico, foi um dos prejudicados.
"No acervo da DSI do Ministério
da Justiça, há relatos de bispos
perseguidos e torturados, cujos
processos interferiram nas relações entre o Estado brasileiro e o
Vaticano durante o regime militar. Infelizmente, não pude olhar
esses documentos", disse Rodrigues, que faz mestrado sobre as
relações do Brasil com o Vaticano
entre 1964 e 1985.
Rodrigues também teve dificuldades de acesso a informações no
centro de documentação do Itamaraty, em Brasília. "Só tive acesso à documentação [do Itamaraty], porque outro historiador já
a havia manuseado."
Fico soube da existência da
transferência do acervo da DSI do
Ministério da Justiça para o Arquivo Nacional em 1993. Com base na Lei de Arquivos, ele requereu ao ministério acesso à documentação. A concessão só saiu
em 1998, após tratamento técnico
feito pela direção do Arquivo Nacional e a publicação do decreto
2.134, de 1997, que regulamentou
a Lei de Arquivos.
O decreto, revogado pelo 4.553
de FHC, respeitava o limite máximo de até 30 anos de sigilo.
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