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NO PLANALTO
O cavalo-de-pau ético do governo petista
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Frase lida na traseira de um
caminhão no Eixo Monumental, via central de Brasília: "O
PT é o socialismo que caiu na vida". Curioso não é o fato de o partido de Lula ter virado piada.
Brasileiro é assim mesmo. Faz
troça até da própria desventura.
O que espanta é a naturalidade
com que o Planalto fornece a matéria-prima.
No íntimo, o pára-choque do
caminhão brasiliense ri do excesso de liberalismo de Lula. Liberou
o primeiro e o segundo escalões
da administração pública ao
PTB, PL, PMDB e afins. Agora,
sob emanações da impudência
dos neo-aliados, libera um sopão
para sonegadores. Foi servido no
meio de uma lei sancionada pelo
presidente há oito dias.
A nova lei (número 10.684) é
impertinente no conteúdo e inútil
na forma. Impertinente porque,
ao facultar novo parcelamento de
dívidas de sonegadores em até 15
anos, ofende aos que suam para
pagar os impostos em dia. Inútil
porque quem devia ao Fisco e
quis redimir-se da falta já havia
aderido ao Refis, mamata inaugurada em 99, sob FHC.
A sopa de Lula traz no seu artigo nono uma pitada de mel. O
texto acena com a suspensão da
"pretensão punitiva do Estado"
em relação aos sonegadores que
aderirem ao parcelamento. Em
português claro, quer dizer o seguinte: foi ao lixo a legislação dos
crimes contra a ordem tributária.
Qualquer pseudo-empresário,
ainda que seja réu em inquérito
por fraudes fiscais, limpa o prontuário abrindo um crediário na
Receita. Estando em cana -coisa
rara, mas existente- o sonegador ganha a rua se o juiz levar ao
pé da letra a disposição do Estado
de pendurar a "pretensão punitiva".
Embora generoso, o Refis de
FHC não chegara a tanto. Admitiu a remissão de sonegadores.
Mas só nos casos em que o arrependimento chegou na frente da
denúncia. Confessando o pecado
antes de ser pilhado em flagrante,
o penitente tirou proveito de um
princípio que os técnicos chamam
de "benefício da espontaneidade". Deu-se de barato que sonegara sem intenção de dolo.
Em 99, serviram-se das facilidades do Refis de FHC 128 mil sonegadores. Um ano depois, 40 mil já
haviam sido expulsos do programa. Não haviam recolhido um
mísero centavo ao Fisco. Em 2001,
a faca da Receita contabilizava
outros 50 mil escalpos. Gente que,
tendo atrasado parcelas da dívida velha, tampouco pagou os débitos correntes.
Os sonegadores levados à faca
dividiam-se em duas categorias:
as empresas muito mortas e as
muito vivas. As muito mortas não
pagam imposto porque uma das
delícias da morte é a possibilidade de transferir para o credor a
dor de cabeça causada pelo acúmulo de dívidas. As muito vivas
não pagam porque não vieram
ao mundo para isso.
Entre os muito vivos excluídos
do Refis estava, por exemplo, o
complexo empresarial de José Osmar Borges. Nasceu para beliscar
incentivos fiscais da Sudam, não
para recolher tributos. Desviou
mais de R$ 100 milhões em verbas
públicas. Queria da Receita apenas uma certidão negativa. Por
isso simulou interesse pelo parcelamento.
Os 38 mil sobreviventes do Refis
acumulam hoje uma dívida de
R$ 124,9 bilhões. É mais da metade de toda a arrecadação tributária estimada pela Receita para
2003 -R$ 247 bilhões.
Espécie de Fome Zero do sonegador, o sopão de Lula é uma lei
com dono. Pertence aos muito vivos. Escondem-se atrás de integrantes das legendas que compõem a base congressual do governo. Pessoas que Lula decidiu
agradar. Em nome da aprovação
das reformas.
Quem desperdiçou parte do domingo lendo esse texto até aqui
decerto tem estômago para outra
informação indigesta: encontra-se em avançado estágio de negociação no Congresso uma outra
mamata. Trata-se do parcelamento de débitos de ruralistas.
Mais um.
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