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PROFISSIONAIS DO VOTO
Cabos eleitorais remunerados de Marta reclamam da jornada, mas trabalham até 16 horas
Disciplina e revolta num comitê do PT
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
"É desumano exigir que trabalhemos das 8h à 1h30 do dia seguinte", reclamou um. "Pelo
menos, na volta, levem a gente
até em casa", pediu outro. "E se
o domingo, dia dos pais, for de
folga?", tentou mais um.
Teve clima reivindicatório a
reunião iniciada às 17h30 da
quarta-feira no comitê eleitoral
de Marta Suplicy, na região de
Capela do Socorro (zona sul de
SP). Convocado com o objetivo
de preparar o dia do debate entre os prefeituráveis, pela TV
Bandeirantes, o encontro contou com 220 participantes.
Alguns aproveitaram para reclamar da longa jornada de trabalho a que seriam forçados no
dia seguinte. Houve quem ficasse mais de 16 horas à disposição
da campanha petista.
"Vou chegar em casa depois
das duas da manhã", protestou
um cabo eleitoral.
A revolta foi sufocada: "Vocês
estão aqui para fazer a campanha da Marta. Trata-se de ganhar essa guerra", rebateu a
coordenadora de mobilização.
"E a gente folga no domingo, dia
dos pais?" Resposta: "Não. Todo
ano tem dia dos pais. Essa candidatura, é agora ou nunca."
O episódio sindicalista na sede
do comitê de Marta seria impensável em campanhas passadas
do Partido dos Trabalhadores.
Fazer campanha era ato voluntário. Quem não quisesse, não ia.
Agora é diferente.
Os cabos eleitorais do comitê
da Capela do Socorro, um dos 35
espalhados pela cidade e o que
abrange o maior colégio eleitoral
da cidade, são remunerados.
No quinto dia útil do mês, cada
um recebe R$ 500 livres. Além
disso, todos embolsam 26 tíquetes-refeição de R$ 7 e vale-transporte. Total: R$ 784.
Guardião do segredo de polichinelo que é a remuneração dos
cabos eleitorais, Lino Bocchini,
assessor do comitê central de
Marta, minimiza. Chama-a de
"ajuda de custo" e diz que apenas poucos a recebem. No comitê de Socorro, todos os entrevistados admitiram o pagamento.
Para custear o almoço no "Recanto da Dutra", sacam-se vales-refeição do comitê de Marta.
Por que o comitê não conta como está levando a campanha?
"Numa guerra, o soldado que
entrega a estratégia de seu exército para o inimigo é traidor."
Assim, Glauco Piai, 33, coordenador do comitê de Socorro, recusou-se a falar à Folha.
Com o mesmo argumento,
proibiu qualquer dos cabos eleitorais de conversar com a reportagem. O argumento mais forte
veio como ameaça: "Quem der
entrevista será demitido."
É uma ameaça e tanto, em uma
região castigada pelo desemprego (uma em quatro famílias está
excluída do mercado formal).
Foi nesse reservatório de mão-de-obra que o PT recrutou seus
cabos eleitorais.
Mas não é qualquer um que
serve. O cabo eleitoral remunerado deve ser indicado por um
vereador local ligado a Marta ou
pelo diretório zonal do PT.
Na folha de pagamentos do comitê, constam ainda os motoristas das kombis, 22 no Socorro. O
comitê paga a cada um RS 1.200
livres. E mais a gasolina.
Esqueça a imagem do cabo
eleitoral sonolento. Estes são
simpatizantes ou militantes do
PT. De outro lado, a remuneração institui a hierarquia do
"manda quem pode, obedece
quem tem juízo".
Foi assim que equipes de dez
cabos eleitorais lotaram cada
kombi, rumo a áreas previamente definidas.
A casa de Ana de Lima, 69,
quatro filhos, moradora da rua
Francisco Figueira, foi a primeira a ser abordada pela militante
M. (ela não deu entrevista).
Uniformizada (casaco com o
logotipo da campanha, sacola e
camiseta, tudo em vermelho),
M. perguntou em quem Ana votará. "Marta." E as outras pessoas da casa? "Não sei." Tem
candidato a vereador? "Não."
Quer receber material de campanha em casa? "Pode ser."
Mais um domicílio acaba de se
incorporar ao imenso "mailing
list" que o PT está montando.
Em toda a cidade, dois milhões
de casas devem ser visitadas até
o final da campanha.
Os questionários são enviados
ao comando de campanha e
processados. Ana receberá em
sua casa o material de propaganda mais adequado ao seu caso,
segundo os fins eleitorais.
Um dirigente do PT chama os
cabos eleitorais de "força terrestre", por oposição à "força aérea", que é o programa de rádio e
TV. "Precisamos desse exército
de ocupação. No nosso caso, a
guerra será ganha casa a casa."
Na quinta-feira, o cabo eleitoral X (ele pediu para não ser
identificado) acordou às 6h.
Chegou em casa às 2h da manhã.
Trabalhou duro e não reclamou.
Na sexta, estava apreensivo. "Era
para a gente ter recebido hoje o
salário. Ninguém recebeu. Se
não depositarem, a gente pára
tudo", ameaça. Uma velha chama ainda arde no coração de X.
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