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JANIO DE FREITAS
Embaraços sem conta
M ais do que inconvincente
por insuficiência da explicação, o presidente do Banco
Central, Henrique Meirelles, capitulou com afirmações contraditórias, umas, e inverdadeiras,
outras, diante da acusação de
que fez uma transferência ilegal
de mais de US$ 50 mil de uma
das suas contas, nos Estados
Unidos, para um trio de doleiros
de São Paulo investigados pela
CPI do Banestado. A explicação
falha está muito bem aceita por
jornais e TVs.
A conta em questão foi definida por Henrique Meirelles como
"uma conta de compra e venda
de ações, ou seja, uma conta de
investimento, o que se chama de
"brokers account'". A conta, de
fato, existe ou existiu em um
banco de investimentos, o Goldman Sachs, segundo a narrativa
da operação na revista "Veja".
Em outra ocasião explicativa,
no entanto, Henrique Meirelles
quis dar normalidade ao seu silêncio sobre o destino dos US$
50.677,12, e disse o seguinte: "É
costume, nos Estados Unidos,
fazer o pagamento com depósito
no número de uma conta indicado pelo recebedor, e ele pode
dar o número de outro [não o
do credor]. Eu fiz muitos pagamento altos de despesas (como a
reforma em apartamento recém-comprado) e, se o recebedor me deu uma conta de doleiro, como minha secretária poderia saber?" O costume do depósito para pagamento não é como
Henrique Meirelles o descreveu,
mais de uma vez na quinta e na
sexta-feira. O depósito aleatório, sem mais informação do
que um número qualquer de
conta, deixaria o depositante
sem a possibilidade posterior de
comprovar a quitação do débito, se necessário. O sistema de
pagamentos por depósito ou
transferência tornou-se "um
costume" porque é seguro, com
as informações que garantem a
transação devida. Não há risco
de que o devedor dê seu dinheiro a um doleiro na suposição de
estar pagando o eletricista, que
depois lhe cobraria outra vez o
serviço.
Por que o banqueiro Henrique
Meirelles precisou fazer a distorção?
Era uma "conta de corretagem, para compra e venda de
ações na bolsa", ou conta comum "para pagar muitos fornecedores"?
Henrique Meirelles não sabe o
destino de uma transferência de
mais US$ 50 mil porque "tem
muitas despesas". Não é fácil
memorizar todos os pagamentos. Mas um pagamento de US$
50 mil não é, mesmo para alguém que se declara muito rico,
o mesmo que um pagamento de
US$ 100 ou US$ 200. Ainda mais
se o pagamento se deu em ocasião peculiar: 18 de outubro de
2002, exatos 15 dias depois da
eleição em que Henrique Meirelles se elegeu deputado federal
do PSDB por Goiás -sem precisar esfalfar-se em campanha,
apesar de alheio à vida goiana.
Bem, Henrique Meirelles esqueceu o que está constatado
como sua remessa pós-eleitoral
ao Brasil. Se for por redução de
memória, é deficiência preocupante em se tratando do presidente do Banco Central. Se não
for, não é preocupante: é escandaloso. Ou normal, já que é um
caso no âmbito do "mercado financeiro". Tanto que o ministro
Antonio Palocci, em resposta à
sucessão de suspeitas e acusações contra o presidente do BC,
assegura que "Henrique Meirelles é o homem certo no lugar
certo". Não foi muito original,
mas suspeitas, acusações e escândalos não sugerem mais originalidade no atual governo.
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