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NO PLANALTO
Serra deixa o amigo FHC apanhando sozinho
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No epicentro da refrega
eleitoral, Serra vem devotando lealdade extrema a dois escassos amigos: a imagem refletida
no espelho e a sombra projetada
na calçada. Atento ao próprio
umbigo, abandonou FHC ao relento, sob bordoadas.
Serra se comporta como personagem da fábula de Esopo. Aquela sobre os dois peregrinos que deram de cara com um urso na estrada.
Um deles, apavorado, escalou
uma árvore e se escondeu. O outro se jogou no chão, fingindo-se
de morto. O urso chegou perto, farejou-lhe a orelha e foi embora.
O que estava na árvore desceu.
Perguntou: "O que é que o urso
cochichou no seu ouvido?" E o outro: "Ele me aconselhou a não
viajar mais com quem abandona
os amigos na hora do perigo".
Moral: é na dificuldade que se
prova a amizade.
O grande urso que cruza a trilha eleitoral de Serra é o risco de
associação de sua candidatura
com o lado escuro da era FHC. O
candidato governista lava as
mãos.
Restringe sua responsabilidade
à passagem pelo Ministério da
Saúde. Num surto de amnésia seletiva, enfia no baú coisas como o
estágio na pasta do Planejamento.
No debate da Record, apertado
por Lula, Ciro e Garotinho, Serra
subiu na árvore: "Quero discutir o
futuro". Por trás da ramagem, assistiu calado ao espancamento da
gestão FHC.
Uma semana atrás, antes de
embarcar para a África do Sul, o
presidente se imaginava a salvo
da baixaria da campanha. Festejou, em conversa no Alvorada, a
boa vontade da oposição.
Só percebeu a mudança de humores em Johannesburgo. Lendo
o resumo do noticiário dos jornais
brasileiros, um produto da Radiobrás que lhe chega às mãos
diariamente, irritou-se com certas "descortesias".
Pelo telefone, deu ordens para
que o governo reivindicasse na
Justiça Eleitoral o direito de responder a críticas levadas à TV por
Ciro Gomes. Antes, já havia estimulado a Petrobras a defender-se
de ataques de Lula.
De volta a Brasília, encontrou
uma campanha diferente. O tratamento benévolo sucumbiu de
vez à hostilidade. Poderia fingir-se de morto. Mas urso de campanha, diferentemente do animal
da fábula, morde. Achou melhor
reagir.
Embora reprove a tática do comitê de Serra, FHC não pode alegar surpresa. O velho amigo mantém na campanha o comportamento de sempre.
Na fase de elaboração do Plano
Real, ainda sob Itamar Franco,
Serra havia feito muxoxo. Em
reunião no apartamento funcional de FHC, à época ministro da
Fazenda, reagira a explicações do
economista Edmar Bacha com
um silêncio ensurdecedor.
O encontro serviu para que os
técnicos a serviço de FHC explicassem ao alto tucanato o que estava por vir. Um dos pais do Real
ainda guarda a agenda em que
anotou fragmentos da reunião.
Fragmentos como a reação de
um irascível Mário Covas: "Todo
mundo fala aqui, pô. Só o Serra fica quieto. Ele é quem deveria falar mais". Presentes, Tasso Jereissati e seu pupilo Ciro Gomes, naquela ocasião um festejado grão-tucano, aquiesciam com movimentos de cabeça.
Serra calou, segundo confessaria depois a Sérgio Motta, porque
discordava de boa parte do receituário que Bacha apresentara em
nome do resto da equipe (Pérsio
Arida, André Lara Resende, Pedro Malan, Clóvis Carvalho e
Winston Fritsh).
Mais tarde, feito ministro por
FHC, Serra foi tachado de "sabotador" por colegas de Esplanada,
em diálogos mantidos atrás das
portas. Mesmo no Planalto ouviam-se críticas ao seu comportamento.
Serra influía no governo como
poucos. Mas nunca desceu da árvore. Referendou o nome de Ricardo Sérgio para a diretoria do
Banco do Brasil. Quando o apadrinhado foi pilhado agindo nos
bastidores da privatização "no limite da irresponsabilidade", acomodou sobre os ombros de Clóvis
Carvalho toda a culpa pela indicação.
Ora, se durante oito anos Serra
jamais teve nada a ver com nada,
por que teria agora, numa fase
em que a conflagração da cena
eleitoral faz da ruína econômica
do tucanato um fenômeno à procura de uma cara?
Que os erros assumam as feições
de FHC. Que o presidente administre sozinho os seus demônios.
Demônios cujos chifres crescem
junto com a ascensão de Serra nas
pesquisas eleitorais.
Do fundo do armário: sob investigação do Ministério Público, da
Polícia Federal e da Receita, Ricardo "no limite da irresponsabilidade" Sérgio está incomodado
com as tentativas de arrancá-lo
de seu habitat natural, a sombra.
Queixa-se de abandono. Entre
quatro paredes, diz que jamais fez
nada sozinho. Menciona reuniões
que manteve com o próprio FHC.
A turma do deixa-disso foi acionada.
Novembro negro: Brasília trabalha com a hipótese de que os
EUA declarem guerra ao Iraque
antes das eleições para o Congresso americano, marcadas para novembro. Prevê-se que as bombas e
os seus efeitos sobre o preço do petróleo irão eletrificar a atmosfera
econômica. FHC acha que seria
recomendável que o próximo presidente do Brasil tivesse meio quilo de gordura de estadista sob a
cútis.
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