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Juízes aposentados do STF e do STJ atuam junto às cortes que integraram; políticos procuram serviços de ex-magistrados
Ex-ministros têm 529 ações como advogados
JULIA DUAILIBI
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Em atividade que chegou a ser
proibida no país por 12 anos, 18
ex-ministros do STJ e do STF
atuam como advogados em 529
processos nos próprios tribunais
em que trabalharam. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)
defende uma quarentena de dois
anos para os ex-ministros.
O presidente do STF (Supremo
Tribunal Federal), Marco Aurélio
Mello, 56, apóia uma medida ainda mais radical, a vedação de trabalho de advogado para os ex-colegas. "Acho que a aposentadoria
é um ócio com dignidade", afirmou. O presidente do STF considera suficientes os R$ 12 mil líquidos que um ministro aposentado
recebe, em média.
A atuação de ex-ministros nos
tribunais em que trabalharam foi
proibida por lei entre 1933 e 1945
(leia texto abaixo).
Como ex-integrantes dos tribunais, esse grupo seleto de advogados pode participar, ao lado dos
atuais ministros, de um lanche
servido diariamente nos dois tribunais, dividir elevadores privativos com os atuais ministros e desfrutar da amizade que possam ter
criado na época em que trabalharam juntos.
A senadora Roseana Sarney
(PFL-MA), o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz
(PMDB), a mulher do ex-governador de São Paulo Paulo Maluf,
Sylvia, o ex-deputado federal Sérgio Naya, o ex-governador de São
Paulo Orestes Quércia e o laboratório Schering do Brasil (acusado
de fabricar pílulas anticoncepcionais de farinha): em comum, todos contrataram escritórios de
ex-ministros para se defender de
acusações do Ministério Público
ou de supostas vítimas.
Clientela política
O campeão de clientes políticos
é o ex-ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, 73, que atuou por dez
anos no STJ (Superior Tribunal
de Justiça). Ele defendeu, nos últimos quatro anos, Roseana, Roriz
e Naya, além de Sylvia Maluf. "Pode até parecer um ato de empáfia,
mas devo dizer que eles me procuram pelo meu conhecimento
jurídico, não pelo fato de eu ser
ex-ministro", disse Cernicchiaro.
No processo em que representou Roseana, Cernicchiaro pediu
que o processo que tramitava no
Maranhão fosse enviado ao STJ e,
também, a anulação dos atos da
Polícia Federal que resultaram na
apreensão de documentos e R$
1,3 milhão na empresa Lunus, de
São Luís (episódio que resultou
na renúncia da candidatura de
Roseana à Presidência da República, em março de 2002).
O pedido foi atendido em parte.
O ministro relator Ruy Rosado
decidiu que o processo contra Roseana deveria tramitar no STJ,
mas negou a anulação dos atos da
PF. Roseana queria tirar da Justiça
Federal do Maranhão a competência de determinar investigações, o que conseguiu.
A mulher do ex-ministro Cernicchiaro, Concita Ayres, também advoga para dois acusados
de narcotráfico que a Polícia Federal considera de alto interesse: o
colombiano Vicente Wilson Rivera Ramos, preso em 95 sob acusação de envolvimento com uma
carga de 7,5 toneladas de cocaína,
e Sâmia Haddock Lobo, ex-mulher de Antônio Mota Graça, o
"Curica", um dos principais traficantes presos na década de 90 no
país -ambos relacionados à
mesma carga atribuída a Rivera.
Os próprios ministros aposentados admitem que parte da procura de seus clientes se deve ao fato de conhecerem os meandros
dos tribunais. "Não posso me despir da minha condição de ex-presidente do STJ. Mas isso aí me dá
confiabilidade, credibilidade. Não
significa que eu venha a ganhar
todas as minhas ações. Se for
olhar no STJ, verá que já perdi
ações", afirmou o ex-presidente
do STJ, Paulo Costa Leite, 54.
Em número, o desempenho dos
ex-ministros não fica atrás de estrelas da advocacia, como Nabor
Bulhões, advogado do ex-presidente Fernando Collor no impeachment, que registra 109 ações
no STF e 78 no STF, ou Sergio Bermudes (187 e 63, respectivamente). O ex-ministro mais atuante,
Francisco Cláudio de Almeida
Santos, 67, registra 168 processos
em seu nome no STJ e 18 no STF.
"Tenho tido muitas dificuldades, tenho sofrido derrotas, como
qualquer advogado", afirmou
Luiz Cernicchiaro.
O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Aldir Guimarães Passarinho, 81, atuou em
53 processos no STJ, onde seu filho, Aldir Guimarães Passarinho
Júnior, 40, é ministro desde 1998.
Ele não vê problemas na situação:
"Por lei, meu filho se declara impedido quando recebe um processo em que eu atuo. Eu acho que
isso ocorreu em um ou dois casos.
É muito pouca coisa".
Todos os oito ex-ministros ouvidos pela Folha negaram frequentar os lanches nos tribunais e
alegaram manter atitude "de respeito" aos ministros julgadores.
"Tem o tradicional chá das 16h,
mas lá não se comenta sobre os
processos. É uma tradição e uma
cortesia do tribunal. Advogados
ilustres também são chamados
para participar", afirmou o ministro aposentado do STF, Paulo
Brossard, 78, que afirmou não
comparecer aos encontros.
O ex-ministro José Cândido de
Carvalho Filho, 78, atua como advogado há oito anos. Nesse período, diz ele, o STJ teve sua composição toda modificada. "O tribunal já está renovado. E eles também não dão a menor bola para
general de pijama", ironizou.
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