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Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional
LARRY ROTHER
DO "NEW YORK TIMES", EM BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva nunca escondeu sua inclinação por um copo de cerveja, uma
dose de uísque ou, melhor ainda,
um copinho de cachaça, o potente
destilado brasileiro feito de cana-de-açúcar. Mas alguns de seus
conterrâneos começam a se perguntar se sua preferência por bebidas fortes não está afetando suu
performance no cargo.
Nos últimos meses, o governo
esquerdista de Da Silva tem sido
assaltado por uma crise depois da
outra, de escândalos de corrupção
ao fracasso de programas sociais
cruciais.
O presidente tem ficado longe do
alcance público nesses casos e tem
deixado seus assessores encarregarem-se da maior parte do levantamento de peso. Essa atitude tem levantado especulação sobre se o seu
aparente desengajamento e passividade podem de alguma forma
estar relacionados a seu apetite por
álcool. Seus apoiadores, entretanto, negam as acusações de excesso
de bebida.
Apesar de líderes políticos e jornalistas falarem cada vez mais entre si sobre o consumo de bebidas
de Da Silva, poucos estão dispostos a expressarem suas suspeitas
em público ou oficialmente. Uma
exceção é Leonel Brizola, líder do
esquerdista PDT, que foi companheiro de Lula na eleição de 1998,
mas agora está preocupado que o
presidente esteja "destruindo os
neurônios de seu cérebro".
"Quando eu fui candidato a vice-presidente de Lula, ele bebia muito", disse Brizola, agora um crítico
do governo, em um discurso recente. "Eu o avisei que bebidas
destiladas são perigosas. Mas ele
não me escutou e, de acordo com
que estão dizendo, continua a beber."
Durante uma entrevista no Rio
de Janeiro em meados de abril,
Brizola argumentou sobre a preocupação que ele havia expressado
a Da Silva e que o que ele dissera
ter sido desconsiderado. "Eu disse
a ele: "Lula, eu sou seu amigo e camarada, e você precisa controlar
isso'", ele lembra.
"Não, não há perigo, eu tenho isso sob controle", Brizola lembra da
resposta de Da Silva, imitando sua
voz rouca. "Ele resistiu, ele é um
resistente", Brizola continuou.
"Mas ele tinha aquele problema. Se
eu bebesse como ele, estaria frito."
Os porta-vozes de Da Silva recusaram-se a discutir oficialmente os
hábitos de beber do presidente,
afirmando que não iriam dar crédito a acusações infundadas com
uma resposta oficial. Em uma breve mensagem por e-mail que respondia a um pedido de comentário, afirmaram que a especulação
que Da Silva bebe em excesso como "uma mistura de preconceito,
desinformação e má-fé".
Da Silva, um metalúrgico de 58
anos, mostrou ser um homem de
apetites e impulsos fortes, o que
contribui para seu apelo popular.
Com um misto de compaixão e
simpatia, os brasileiros têm assistido a seus esforços para não fumar
em público, a seus flertes com atrizes em eventos públicos e à sua batalha contínua para evitar comidas
gordurosas -que fizeram seu peso aumentar muito em pouco tempo desde que assumiu o cargo em
janeiro de 2003.
Além de Brizola, líderes políticos
e a mídia parecem preferir lidar
com isso de forma mais sutil e indireta, mas com com um certo
apetite. Sempre que possível, a imprensa brasileira publica fotos do
presidente com os olhos avermelhados e as bochechas coradas e
constantemente fazem referências
tanto aos churrascos de fim de semana na residência presidencial,
onde a bebida corre solta, como
aos eventos oficiais onde Da Silva
parece nunca estar sem um copo
de bebida nas mãos.
"Eu tenho um conselho para o
Lula", escreveu em março o crítico
mordaz Diogo Mainardi, colunista
da "Veja", a revista mais importante do país, enumerando uma
lista de reportagens contendo referências ao hábito do presidente.
"Pare de beber em público", ele
aconselhou, acrescentando que o
presidente tornou-se "o maior garoto-propaganda para a indústria
da bebida" com seu notório consumo de álcool.
Uma semana depois, a mesma
revista publicou uma carta de um
leitor preocupado com o "alcoolismo de Lula" e seu efeito na habilidade do presidente de governar.
Apesar de alguns sites estarem
reclamando de "nosso presidente
alcoólico", foi a primeira vez que a
grande imprensa nacional referiu-se a da Silva desta maneira.
Historicamente, os brasileiros
têm razão para estarem preocupados com sinais de hábitos de abuso
do álcool de seus presidentes. Jânio Quadros, eleito em 1960, foi
um bebedor manifesto que um dia
declarou: "Bebo porque é líquido".
Sua inesperada renúncia, menos
de um mês após ter assumido
-período considerado uma maratona de excessos- iniciou um
período de instabilidade política
que levou a um golpe de Estado,
em 1964, e a 20 anos de uma rígida
ditadura militar.
Independentemente se Da Silva
tem um problema com bebida ou
não, o tema tem se infiltrado na
consciência pública e se tornado
alvo de piadas.
Quando o governo gastou US$
56 milhões no início do ano para
comprar um novo avião presidencial, por exemplo, o colunista
Claudio Humberto, uma espécie
de Matt Drudge da política brasileira, fez um concurso para dar um
apelido à aeronave. Uma das escolhas vencedoras, em alusão de que
o avião presidencial americano é
chamado de Força Aérea Um, sugeriu que o nome do jato de Da Silva deveria ser ""Pirassununga 51"
-nome de uma marca popular de
cachaça no Brasil.
Outra sugestão foi "Movido a Álcool", um trocadilho com o plano
governamental de incentivar o uso
de etanol em carros.
Especulação sobre os hábitos de
bebida do presidente tem sido alimentada por várias gafes e passos
em falso que ele tem feito em público. Como candidato, ele uma
vez se referiu aos moradores de
uma cidade considerada uma abrigo para os gays chamando-a de
"pólo exportador de veados". Como presidente, suas escorregadas
em público continuaram e se tornaram parte do folclore político
brasileiros.
Numa cerimônia aqui em fevereiro para anunciar um grande investimento, por exemplo, Da Silva
duas vezes se referiu ao presidente
da General Motors, Richard Wagoner, como presidente da Mercedes-Benz. Em outubro, num dia
em homenagem aos idosos do
país, Da Silva disse a eles: "Quando
vocês se aposentarem, não fiquem
em caso aborrecendo sua família.
Encontrem alguma coisa para fazer".
No exterior, Da Silva também
tropeçou ou foi mal aconselhado.
Em visita ao Oriente Médio no ano
passado, ele imitou um sotaque
árabe falando em português, inclusive com pronúncias erradas.
Em Windhoek, na Namíbia, o presidente disse que a cidade parecia
tão limpa que "não parece que está
num país africano."
A equipe de Da Silva e seus simpatizantes respondem que esses
escorregões são apenas ocasionais
e previsíveis para alguém que gosta de falar de improviso e não tem
nada a ver com seu consumo de álcool, que eles descrevem como
sempre moderado. Para eles, Da
Silva é visto de um padrão diferente -e injusto- com relação a
seus antecessores porque ele é o
primeiro presidente brasileiro vindo da classe trabalhadora e estudou apenas até a quinta série.
""Qualquer um que já tenha estado em recepções formais ou informais em Brasília testemunhou
presidentes bebericando uma dose de uísque", escreveu recentemente o colunista Ali Kamel, no
diário carioca "O Globo". ""Mas sobre o fato nada se leu a respeito dos
outros presidentes, somente de
Lula. Isso cheira a preconceito."
Da Silva nasceu em uma família
pobre, num dos Estados mais pobres do país e passou anos liderando sindicatos de trabalhadores,
um ambiente famoso pelo alto
consumo de álcool. Relatos da imprensa brasileira têm repetidamente descrito o pai do presidente, Aristides -o qual ele pouco conheceu e morreu em 1978- como
um alcólatra que maltratava suas
crianças.
Histórias sobre episódios de beber envolvendo Da Silva são abundantes. Depois de uma noite na cidade onde ele fora membro do
Congresso, no final dos anos 1980,
Da Silva saiu do elevador no andar
errado do prédio onde morava na
época e tentou arrombar a porta
de um apartamento que ele imaginava ser o seu, de acordo com políticos e jornalistas aqui, incluindo
alguns que moravam no mesmo
edifício.
""Sob Lula, a caipirinha virou "bebida nacional" por decreto presidencial", escreveu o diário Folha
de S. Paulo no mês passado, em
artigo sobre a associação de Da Silva com álcool e em alusão a um coquetel feito com cachaça.
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