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NO PLANALTO
Os sem-Cohiba esperam a hora de entrar em cena
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A diferença entre o dinheiro mixuruca e o dinheiro
graúdo está no timbre. A moeda
farta não fala. Grita. A grana parca também não fala. Emudece. O
silêncio do salário mínimo, por
exemplo, pode ser medido de várias maneiras. Aqui se utilizará,
por eloqüente, a escala dos charutos. É mais próxima do universo
petista.
Companheiros como Lula e Dirceu apreciam os cubanos. Derretem-se por um bom Cohiba. Sorvem-no em qualquer bitola. Mas
preferem o "Esplendido" (17,8 cm
de comprimento; 1,86 cm de diâmetro). Coisa fina. A caixa com
25 unidades custa algo como R$
2.400. Pouco mais de nove salários mínimos.
Ao fixar o novo mínimo em R$
260, valor que não paga a fumaça
de três "Esplendidos" (R$ 288), a
feitoria petista deixou agoniada a
tribo que acreditou no palanfrório redentor da campanha eleitoral. Na segunda-feira, porém, o
presidente se explicou.
"Tivemos o cuidado de dar o
reajuste da inflação e um pouquinho a mais", disse Lula no rádio.
"Com a preocupação de que, em
algum momento, vamos criar
condições para recuperar definitivamente o poder aquisitivo do
mínimo. E vamos fazer isso com
responsabilidade, porque não podemos aumentar a dívida da Previdência."
No mesmo dia, Dirceu declarou:
"A gente tem que ter clareza das
limitações. Sem perder a esperança, a fé, o otimismo. E sem deixar
de ter audácia. E audácia neste
momento é ter responsabilidade.
Poderíamos ter dado R$ 300, mas
teríamos um impacto de R$ 12 bilhões nos gastos públicos".
As palavras de Lula e Dirceu repercutiram muito bem entre os
tapuias. O ressentimento deu lugar à satisfação de estar contribuindo para o equilíbrio orçamentário do governo. Disseminou-se a certeza de que a vida nas
ocas vai melhorar consideravelmente.
A tribo do mínimo crê no patriotismo do homem branco.
Acostumados a receber em reais,
o caixa do supermercado, o dono
do armazém e o feirante haverão
de aceitar pagamentos na moeda
da "responsabilidade". Com uma
dose de "esperança", a nova unidade monetária garantirá o rancho do mês. Com uma pitada de
"fé", vai sobrar troco.
Tomados de súbita "audácia",
os sem-Cohiba farão fila nos guichês bancários. Terão, não há dúvida, crédito automático. Tomarão empréstimos com prazos a
perder de vista. A banca há de fechar os olhos para a ausência de
garantias reais, compreendendo
as "limitações" momentâneas de
Brasília. Não lhe falta gordura.
Cevadas pelos juros da administração FHC, as tesourarias das
casas bancárias seguem inchando
sob Lula. Em 2002, último ano do
tucanato, a rentabilidade média
da banca foi de 24,5%. Um assombro se comparada à taxa média de 5,6% dos setores não-financeiros (indústria, comércio e
serviços).
No ano de despedida da era
Malan, o lucro das quatro maiores casas bancárias privadas do
país roçou os R$ 7 bilhões. Abre
parênteses: Malan foi promovido
na última quarta-feira ao posto
de presidente do conselho de administração do Unibanco. É justo. Muito justo. Justíssimo. Fecha
parênteses.
A festa seguiu animada no ano
de estréia da era Palocci. Sozinho,
o Bradesco registrou em 2003 lucro de R$ 2,3 bilhões. O Itaú cravou o maior lucro da história do
sistema financeiro nacional: R$
3,1 bilhões.
2004 também promete. Na mesma segunda-feira em que Lula e
Dirceu falavam da "responsabilidade" que inspirou a subida módica do mínimo, o Bradesco comemorava lucros de R$ 608,7 milhões no primeiro trimestre. Na
terça, o Itaú celebrava lucro de R$
876 milhões no mesmo período.
Uma beleza.
Difícil enxergar no horizonte o
dia em que serão criadas as "condições" para a "recuperação definitiva do mínimo". Tampouco é
fácil adivinhar a data em que será recuperado o nível de emprego.
Futurologia não é o forte do ex-PT. No início de sua gestão, o petismo previa que a economia do
país cresceria no mínimo 3%. No
ocaso de 2003, quando a ruína do
primeiro ano já havia produzido
2,5 milhões de desempregados
nas seis maiores regiões metropolitanas brasileiras, a equipe de
Palocci estimava taxa mais modesta: 0,4%. Otimista, Guido
Mantega (Planejamento) apostava em 0,8%.
Entre o impensável e o inadmissível, prevaleceu o inacreditável.
Na frieza dos números reais, o
PIB nacional decresceu 0,2%. No
alvorecer de 2004, inaugurou-se
nova temporada de apostas. O
governo difunde agora previsões
de crescimento anual que oscilam
entre 3% e 3,5%.
Se Palocci, Mantega, Lula ou
Dirceu precisassem vender um
carro usado, talvez não aparecesse brasileiro disposto a comprá-lo.
Por sorte, utilizam-se de automóveis oficiais. Contam, de resto,
com a tradicional paciência dos
tapuias. A tribo desenvolveu uma
estranha vocação para a espera.
Protagonista na hora da eleição, o brasileiro do mínimo habituou-se ao papel de figurante das
fases pós-eleitorais. Resignados
com a morte do humanismo, os
sem-Cohiba continuam esperando a hora de entrar em cena. Vão
esperar. E esperar. E esperar. E esperar...
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