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Presidenciável do PSB afirma ser político "previsível", nega ser populista e condena economicismo do governo
Candidato compara FHC a Collor e diz que é vítima de preconceito
MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO
Anthony Garotinho, 42, que o
PSB deve indicar amanhã como
seu candidato à Presidência da
República, disse à Folha que pretende, se eleito, fazer um governo
de união nacional e que tem como
meta transformar o Brasil na
quinta economia mundial e líder
da América do Sul.
O ex-governador do Rio deu
nota cinco para o governo Fernando Henrique Cardoso, nota
bastante próxima a que a população atribui à atual administração
federal (média de 5,3), como revela a pesquisa Datafolha divulgada
hoje. Garotinho acusa o presidente de ter acabado de fazer um confisco da poupança semelhante ao
implementado pelo presidente
Fernando Collor de Mello, em
1990, só que mais discreto.
O presidenciável do PSB afirmou que, caso eleito presidente
neste ano, não fará confisco, moratória ou calote, mas que proporá uma renegociação das dívidas
interna e externa.
Garotinho criticou seus principais adversários à Presidência
(veja texto na página ao lado): Ciro é amargo, e Lula, inexperiente.
Mas suas principais críticas são
dirigidas ao ex-ministro da Saúde
José Serra (PSDB), o candidato do
presidente Fernando Henrique
Cardoso e que vem disputando
com ele a segunda colocação nas
pesquisas eleitorais. Na sua opinião, Serra "joga sujo" e "se utiliza
de todos os expedientes para alcançar os seus objetivos".
Muito gripado e cansado depois
de 14 horas seguidas de campanha, Garotinho concedeu entrevista na quinta-feira, às 22h, em
Brasília. Nem a traição da sua correligionária Luiza Erundina (SP),
que declarara mais cedo o voto no
presidenciável Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), nem uma pane no jatinho, que atrasou a viagem em três
horas, tiraram o humor do candidato, que passou o tempo até o
desembarque no Rio divertindo
seus assessores com imitações
dos estilos e bordões dos principais locutores esportivos do país.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista do presidenciável do PSB à Folha:
Folha - Por que o sr. é candidato a
presidente da República?
Anthony Garotinho - O principal
motivo que me levou a ser candidato foi perceber que nas outras
candidaturas não está clara a necessidade de um projeto nacional.
Um país não pode passar os seus
dias sem se organizar, sem saber
para onde vai. Quem não sabe para onde vai, não vai a lugar algum.
Que brasileiro seria capaz de responder como imagina o Brasil daqui a dois anos? Nenhum.
Porque não foi mostrado a ele
claramente qual o projeto de nação que o governo brasileiro atual
pretende implantar no país. A
pergunta que eu me fiz e vou fazer
aos eleitores durante a campanha
é essa: que país nós queremos?
Folha - O senhor acha que o país
não tem um projeto? Em algum
momento teve?
Garotinho - A marca do governo
Fernando Henrique [1995-2002" é
justamente a falta de um projeto
de nação. As questões foram tratadas pela ótica somente econômica. Uma nação é muito mais do
que economia. Em qualquer outro país desenvolvido, a economia
é um meio. Meio de você proporcionar desenvolvimento da sua
indústria, meio de proporcionar
aumento da poupança nacional
para investimentos na infra-estrutura, meio para você construir
valores.
Aqui no Brasil, a economia foi
transformada em fim. Não importa quantas pessoas vão morrer
de fome, não importa quantas vão
estar sem casa, não importa quantas vão ficar desempregadas. O
que importa, no final, é que a conta feche. E, o que é pior, nem isso
eles conseguiram.
Folha - Quais seriam os principais
pontos desse projeto que o senhor
imagina para o país?
Garotinho - Dois pontos principais: a organização das cadeias
produtivas e a reforma tributária.
Quando falo em organização das
cadeias produtivas penso em cinco setores: agricultura, setor têxtil,
marinha mercante, eletroeletrônicos e setor químico. Penso também numa política competitiva
de substituição de importações,
que vai exigir um choque tecnológico. Outro ponto fundamental é
a educação, com a recuperação
dos ensinos médio e universitário
e a implantação de programas de
excelência.
Temos de assumir um papel de
liderança na América do Sul e para isso precisamos restabelecer o
papel das nossas Forças Armadas,
destruídas por Fernando Henrique. Não com a intenção de guerra, mas de preservar a paz e a estabilidade do continente.
Imagino o Brasil como o líder
da América do Sul e entre os cinco
maiores do mundo, um país com
uma política de bem-estar social e
com regime democrático sólido.
Folha - Estamos vivendo um momento de grande nervosismo provocado pelo problema da dívida
pública. Como o senhor analisa este momento? O fator eleitoral pesa
para o nervosismo?
Garotinho - Esse problema não
tem nada de conjuntural, é um
problema estrutural. Eu venho falando há pelo menos quatro anos
que a política de juros altos do governo, que a política cambial feita
àquela época da paridade, que a
falta de uma política industrial,
que a falta de organizar as cadeias
produtivas do país para que o país
pudesse exportar mais, que o excessivo direcionamento do país
para o sistema financeiro, que isso
tudo ia dar no que deu. Não há nenhuma surpresa para mim. Nós
acabamos de viver um confisco
como foi feito na época do Collor
[Fernando Collor de Mello, que
em 1990 decretou o Plano Collor,
que bloqueou os recursos depositados nas poupanças e contas correntes", apenas em proporção
menor e sem o mesmo alarde.
Folha - Se o senhor já fosse o presidente da República, como trataria esse problema?
Garotinho - Temos de tratar essas questões de duas formas: uma
forma emergencial e uma forma
de longo prazo. A forma emergencial é garantir que nós não iremos em hipótese alguma propor
qualquer tipo de quebra de contrato. Em compensação, vamos
propor a renegociação de toda a
nossa dívida interna e externa.
Nada será feito de forma unilateral. Não esperem surpresas do
Garotinho. Eu sou um político totalmente previsível. Tudo que eu
me comprometo a fazer, eu faço.
Ou seja, não há nenhuma chance
de confisco nem de moratória
nem de calote -nenhum tipo de
violência contra quem quer que
seja. O Brasil precisa de um governo de união nacional.
Folha - Como o senhor planeja
formar o seu ministério?
Garotinho - É um equívoco
achar que o ministério é do partido A ou do partido B. O ministério é do Brasil. Eu buscarei os melhores quadros na universidade,
na iniciativa privada, nos partidos
políticos para fazer o ministério
do Brasil, que represente com eficiência o nosso país em todos os
setores.
Folha - Mesmo que o senhor vença a eleição, não terá maioria no
Congresso Nacional. Como pretende governar o país?
Garotinho - Quando você tem
um projeto é mais fácil de aglutinar em torno dele do que fazer a
política de atração no varejo. O
Fernando Henrique, no seu primeiro mandato, foi eleito com 43
deputados [na realidade, em 1994,
o PSDB elegeu 62 deputados". Eu
calculo que o PSB faça mais do
que isso e entre cinco e sete governadores. Portanto, governabilidade não será problema.
Folha - O senhor fala que a reforma tributária será uma de suas
prioridades. Que reforma o senhor
planeja?
Garotinho - Uma reforma que
desonere os investimentos produtivos, estimule a exportação,
alargue a base dos contribuintes
diminuindo a incidência de alíquotas altas. O melhor imposto é
o menor imposto cobrado sobre
uma base maior. Esse é o nosso
conceito de reforma tributária.
Nós queremos fazê-la por etapa,
logo no início do governo. No primeiro ano reduzimos de 54 impostos para 24 e depois para sete.
Folha - Como o senhor avalia o
governo Fernando Henrique Cardoso e que nota daria para o presidente?
Garotinho - O grande mérito do
presidente Fernando Henrique
Cardoso foi ter melhorado a imagem externa do país. Seu maior
defeito foi a falta de capacidade
gerencial. Ele não é um bom gerente. Eu daria nota cinco. Ele foi
bom para a imagem do país mas
foi péssimo na administração.
Folha - O país melhorou ou piorou
nestes últimos oito anos?
Garotinho - Eu quero fazer um
governo de Fernando Henrique
para frente. Ou seja, os avanços
que ocorreram serão consolidados. E os erros serão corrigidos.
Não vou governar pensando em
começar o Brasil a partir de agora.
Não tenho essa ingenuidade.
Folha - O senhor admite, portanto, que houve alguma melhora sob
Fernando Henrique?
Garotinho - Sim. Até pelo simples fato de que no mundo em
que vivemos, uma nação do tamanho do Brasil, com o potencial
que tem, ela até por inércia melhora. Só que nós poderíamos ter
avançado muito mais. Na verdade, nós tivemos perdas. Nós éramos o primeiro país em economia da América Latina e perdemos a liderança para o México.
Éramos a oitava economia do
mundo, viramos a 11ª. E o próximo relatório vai apontar que vamos cair para 13º.
Folha - Quem vai para o segundo
turno?
Garotinho - Eu e o Lula.
Folha - As pesquisas eleitorais
mostram que o sr. vai bem nas classes D e E e tem dificuldades nas
classes A e B. A que o senhor atribui
estas dificuldades?
Garotinho - As classes A e B foram contaminadas por uma desinformação a meu respeito. Se
difundiu erroneamente o conceito de que eu sou um populista.
A própria campanha se incumbirá de fazer ver a essas pessoas
que alguém que negociou a dívida
do Rio como eu negociei, reconhecida pelo próprio ministro como a mais brilhante negociação
de todos os Estados, que teve a
preocupação de recuperar a economia do Estado como eu tive,
que tem uma visão estratégica como eu tenho, não é populista. Tenho uma visão popular. Esse preconceito será quebrado na medida em que as pessoas forem me
conhecendo, não tem outro jeito.
Folha - O senhor reclama frequentemente de não ser bem compreendido pelas elites. O senhor se
sente discriminado?
Garotinho - Pelos empresários,
não. Pelo setor intelectual, sim.
Folha - E por quê?
Garotinho - Pela questão da religiosidade. É um ponto em que as
pessoas têm preconceito. Elas não
conseguem entender a questão do
evangelho. Muitas pessoas acham
que eu me aproveito dessa situação porque isso foi muito difundido pelos meus adversários, quando na verdade elas se esquecem
que antes da minha conversão eu
já tinha sido deputado estadual,
prefeito de Campos, secretário de
Estado e candidato a governador.
E, o que é pior, na eleição em
que eu me converti [1994", eu perdi. Não tenho preconceito contra
religião alguma. Espero que não
tenham preconceito contra mim.
Folha - O senhor continua achando que agiu certo ao recorrer à Justiça para impedir a publicação do
conteúdo das fitas gravadas pelo
empresário Guilherme Freire? O senhor acabou sofrendo um desgaste. Como o senhor avalia hoje a iniciativa?
Garotinho - Hoje eu não faria outra vez. As fitas não tinham nada
de mais e eu fiquei com uma fama
de censor. De todo o processo das
fitas, o que restou foi uma multa
da Receita Federal prescrita, mas
que nós pagamos por uma questão mais moral e ética do que tributária.
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