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REGIME MILITAR
Auxiliar do presidente desde os 17 anos, Humberto Barreto, 71, comenta a reação à obra de Elio Gaspari
Livro "não desilustra" Geisel, diz assessor
PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO
À sombra do governo e da vida
do presidente Ernesto Geisel
(1911-1996), moviam-se discretamente dois personagens: Heitor
Aquino Ferreira, 67, e Humberto
Esmeraldo Barreto, 71.
São testemunhos importantes
na reconstrução dos bastidores
do período da série "As Ilusões
Armadas", do jornalista e colunista da Folha Elio Gaspari, cujo
mais recente volume, "A Ditadura
Derrotada", chegou às livrarias na
semana passada.
Heitor Ferreira foi assistente de
Golbery do Couto e Silva no SNI
(Serviço Nacional de Informações) e de Geisel na Petrobras, antes de se tornar seu secretário particular. Acumulou documentos,
222 horas de gravações e 1.500 páginas de seu diário, com minuciosas descrições dos bastidores do
poder entre 1964 e 1975.
Hoje traduz livros -como
"Churchill", biografia de Roy Jerkins, e "A Revolução dos Bichos",
de George Orwell. Vive em Teresópolis, na região serrana do Estado do Rio. Recusou a sondagem
da Folha para uma entrevista, citando um aviso que viu em Nova
York, obra da administração do
ex-prefeito Rudolph Giuliani:
"Nem mesmo pense em estacionar seu carro aqui".
Humberto Barreto foi dirigente
da Petrobras, da Caixa Econômica, da Norquisa Petroquímica e
da Transbrasil, mas antes de tudo
foi amigo de Geisel desde os 17
anos. Como exemplo da proximidade, Gaspari cita que o casal Barreto foi parceiro do casal Geisel
por 20 anos no jogo de biriba.
Barreto recebeu com tranquilidade a repercussão das revelações
do livro de Gaspari. "Não se pode
julgar Geisel nem a obra do Elio
por um livro. A análise tem de ser
feita em cima do todo. O que conta é que Geisel devolveu o país à
normalidade democrática. Só não
fez a anistia porque não quis. Mas
a deixou pronta para o [João Baptista] Figueiredo fazer. O livro não
desilustra a imagem dele como tenho lido por aí", disse Barreto à
Folha, numa resposta velada à declaração do presidente do Senado,
José Sarney, de que o livro frustra
a imagem que tinha do quarto
presidente do regime militar.
Gaspari revelou degravação de
conversas de Geisel com o general
Dale Coutinho, seu futuro ministro do Exército, a um mês de sua
posse na Presidência. "Esse negócio de matar é uma barbaridade,
mas tem que ser", afirma Geisel,
em uma de várias demonstrações
de que sabia da morte de opositores sob custódia do regime.
Barreto afirma que Amália
Lucy, filha de Geisel, não recebeu
com simpatia a forma com que a
imprensa tratou o livro de Gaspari, destacando o apoio à repressão
e minimizando, segundo ele, o
projeto de distensão política.
"Disse a ela que não há demérito para o Geisel. A obra é muito
mais histórica do que jornalística.
O que o jornal diz amanhã embrulha peixe. O livro fica", diz.
"Na hora que o Geisel teve de
brigar com a linha-dura, brigou.
Como mostra o episódio da demissão do [ministro do Exército,
Sylvio] Frota", declara.
"Houve gente que, mesmo na
oposição, compreendeu isso. O
Tancredo [Neves] ajudou muito.
O Ulysses [Guimarães] atrapalhou demais. Não conseguia entender as dificuldades que ele tinha. A linha-dura do Exército entendia que o presidente era um
preposto dela. Na demissão do
Frota, se não tivesse feito as coisas
com inteligência, teria sido deposto", afirma Barreto.
Continuidade
Trabalhando em funções públicas com Geisel desde 1969, quando o assessorou na Petrobras, até
1979, quando estava na direção da
Caixa Econômica Federal, Barreto participou de articulações políticas, como o lançamento de Figueiredo como candidato à sucessão de 1979, contrapondo-se ao
nome de Sylvio Frota, preferido
pela linha-dura militar.
"A cada conversa que tínhamos,
juntava as pedrinhas. Até por exclusão, a escolha batia no Figueiredo. A principal característica
que procurava era alguém que
continuasse a sua obra", diz.
Barreto conta o episódio em que
começou a perceber como era a
relação de Geisel e Figueiredo. O
primeiro já havia sido escolhido
candidato por Médici à sua sucessão e discutia quem seria o vice.
Geisel não queria que fosse o almirante Adalberto Pereira dos
Santos, como pretendia Médici.
"Eu quero um vice para valer. O
Adalberto é homem direito, mas
não é um homem para isso. Quero que, na minha falta, não haja
crise nenhuma", disse Geisel, segundo o relato de Barreto.
Geisel reuniu-se no dia seguinte
com Figueiredo, então chefe do
Gabinete Militar da Presidência,
na casa de Barreto. "O preferido
do Geisel era o brigadeiro Araripe
Soares, mas ele tentou contornar
a indicação do presidente dizendo
ao Figueiredo: ""O Médici faz
questão, porque, se dependesse
de mim, o vice seria você'".
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