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NO PLANALTO
Vasco tabela com Brasília e derrota Viúva
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Futebol e governo são parecidos. Não têm lógica. Só
não são idênticos porque o governo é mais ilógico do que o futebol.
No campo da repartição pública
falta iluminação, a bola é quadrada, vale gol de mão e ninguém
ouve as vaias da torcida.
Imagine-se um negócio envolvendo um time de futebol e o governo. Tem 100% de chances de
acabar em encrenca. Foi o que
aconteceu numa transação do
glorioso Vasco da Gama com
Brasília. A coisa rolou há 28 anos.
Encontra-se embolada no meio
de campo até hoje.
Aconteceu assim:
1) em 1976, o presidente Ernesto
Geisel assinou o decreto 78.337. O
texto autorizou a cessão gratuita
de um terreno pertencente à
União. Mede 485 mil m2. Fica em
Duque de Caxias, no Rio de Janeiro;
2) em 1990, sob Fernando Collor, a gerência regional da Secretaria do Patrimônio da União no
Rio deu tratos à bola. Tabelando
com o decreto de Geisel, firmou
contrato com o Vasco da Gama;
3) sem levar a mão ao bolso, o
time carioca assenhorou-se do
megaterreno. Em troca, comprometeu-se a construir, em dois
anos, um Centro Esportivo. Obrigou-se também a franquear pelo
menos metade da área ao público. A bugrada de Caxias passaria
a dispor de espaço para a "prática
de esportes em geral". Um a zero;
4) em 1991, ainda sob Collor, o
decreto que cedeu o terrenão ao
Vasco foi revogado por um outro
decreto, sem número. Foi às páginas do "Diário Oficial" em 18 de
fevereiro de 1991;
5) o Vasco, que ainda não havia
assentado um único tijolo sobre o
solo de Caxias, pediu uma prorrogação de contrato. Brasília fez
que não ouviu. Caiu Collor, entrou Itamar Franco, veio Fernando Henrique Cardoso. E nada. O
Vasco não sossegou;
6) em 1996, gestão FHC, saiu, finalmente, um novo decreto. O
texto rendeu homenagens à falta
de lógica. No novo acerto, o Vasco
foi liberado do compromisso de
abrir os portões do seu futuro
Centro Esportivo à súcia. Dois a
zero;
7) em 24 de janeiro de 1997, o
Vasco endereçou correspondência à delegacia do Patrimônio da
União. Como ainda não havia
deitado sobre o torrão de Caxias o
tijolo inaugural, pediu prorrogação dos prazos contratuais;
8) o Vasco pediu mais. Queria
autorização para usar 50% da
área do superterreno "sob a forma de locação ou comodato a
empresas privadas". Argumentou
que atravessava "seriíssima crise
financeira e absoluta carência de
recursos";
9) decorridos escassos cinco
dias, o governo baixou, em 29 de
janeiro de 1997, mais um decreto.
Estipulava o seguinte: o Vasco estava autorizado a destinar "até
50%" do terreno que recebeu de
presente da Viúva para, "mediante locação, pelo prazo de até
30 anos, obter recursos financeiros destinados à execução do projeto" do Centro Esportivo. Três a
zero;
10) recapitulando: o Vasco, que
recebera um terreno de graça e já
fora desobrigado de ceder parte
dele para o lazer da galera de Caxias, agora poderia usá-lo para
fazer caixa. Era o absurdo fazendo festa na grande área;
11) em 28 de janeiro de 2003,
agora sob Lula, o governo recebeu
mais uma carta do Vasco da Gama. Nem sinal dos alicerces do
Centro Esportivo. O terrenão de
Caxias encontrava-se invadido. O
time informou que buscava na
Justiça a retirada dos invasores;
12) o Vasco informou também
ao governo que, motivado por razões ambientais, o Ministério Público se insurgiu contra as obras
do Centro Esportivo. Obteve na
Justiça decisão liminar proibindo
a terraplenagem do torrão de Caxias. Feitos os esclarecimentos, o
time cruzmaltino pediu nova
prorrogação do prazo para a conclusão das obras;
13) no último mês de julho, os
ministros do TCU (Tribunal de
Contas da União) analisaram em
plenário o teor de relatório que
contém um compacto da seqüência de dribles que o Vasco impõe
ao contribuinte. O texto define os
negócios do governo com o Vasco
em uma palavra: "Imoral". Foi
aprovado por unanimidade;
14) sob os efeitos do julgamento
do TCU, a Secretaria do Patrimônio da União remeteu o caso à
Advocacia da União. Se prevalecer a lógica, o governo deve retomar o terreno de Caxias.
15) o Vasco não descansa. Apega-se ao refrão do seu hino:
"Avante então/Que pra vencer/
Sem discussão/Basta querer/Lutar, lutar/Os vascaínos/De terra e
mar/Os paladinos".
Para evitar maledicências, o repórter esclarece que não é fanático pelo Flamengo. Torce pelo Gama, de Brasília.
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