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FORTALEZA
Preterida pela cúpula do PT, Luizianne Lins faz campanha apoiada na militância do partido e exalta a ex-petista Heloísa Helena
Renegada vira estrela e se diz marxista esotérica
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A FORTALEZA
A jornalista e professora de fotojornalismo e fotopublicidade
Luizianne de Oliveira Lins, 35, foi
renegada pelo PT e fez uma campanha pobre, sem showmícios
milionários ou milhões de panfletos, mas resgatou a garra da militância petista e obteve três vitórias
em Fortaleza: passou para o segundo turno, é a novidade nacional e virou grife na cidade.
Meninas e mulheres andam
com faixas nos cabelos, blusas largas e soltas e bijuterias com estrelas de pedrinhas baratas. Tudo
vermelho. É o estilo Luizianne.
Loura de olhos claros, ela é muito vaidosa, mas cheinha, espontânea, sem recursos para roupas e
jóias caras. Uma Marta Suplicy
dos pobres, feliz da vida com a
banda "cover" do Legião Urbana
que anima seus comícios. Por outro lado, é queridinha dos ricos e
da classe média local.
Fala pelos cotovelos, tem orgulho dos longos cabelos louros e
encaracolados e não desgruda de
um "kit maquiagem", cheio de
batons, lápis e sombras brilhantes, usadas mesmo à luz do dia.
Em destaque, um supercreme para potencializar os cachos do cabelo. Vira e mexe, se olha no espelho e reclama: "Estou parecendo
uma leoa!".
Além disso, ela tem o "kit escritório", um estojo com lápis, caneta, corretor, clips, borracha e bloquinhos. É capaz de abri-lo sem
cerimônia em reuniões ou debates para corrigir textos ou redigir
mensagens. O palestrante da vez
que vá perdoando, mas tempo é
tudo na vida dela.
Como jornalista e professora da
Universidade Federal do Ceará,
Luizianne dá uma seca-pimenteira na sua equipe de campanha, especialmente em marqueteiros,
produtores do programa de TV e
assessores de imprensa.
"Tudo tem que ser do jeito dela.
Mexe no texto, na forma, no conteúdo, confere cada detalhe, sempre dá a última palavra. É muito
mandona", conta a jornalista Ana
Javes, uma entre muitos ex-alunos que aderiram de corpo e alma
à campanha.
Passar a idéia de competência é
essencial nesta campanha em
Fortaleza, cidade que convive
com uma espécie de trauma político: a também surpreendente
eleição da então petista Maria
Luiza Fontenele para a prefeitura,
em 1985. Na época, as verbas federais passavam pelo crivo do governo estadual, e a prefeita, mulher, esquerdista e petista, ficou à
míngua. A imagem que ficou da
sua gestão foi a do lixo se amontoando pelas ruas. E o resultado: a
fama de incompetência.
"Eu não tenho medo disso, não.
Serei a melhor prefeita que Fortaleza já teve. Sou preparada, conheço a cidade e vou ter a adesão
dos melhores quadros daqui,
principalmente da universidade.
Quero o melhor, o melhor, o melhor", diz a atrevida Luizianne.
Apesar da determinação, a
apresentação de seu programa de
governo deixa dúvidas sobre ser
"a melhor". Parece um caderno
escolar. São 76 páginas num bloco
espiral, com capa dura ilustrada
por uma foto dela ao lado do seu
vice, José Carlos Venerando, do
PSB, sindicalista, negro e bonitão.
A campanha de Luizianne afirmou-se justamente com um discurso em prol dos negros, das
mulheres, das crianças e dos homossexuais. E seu programa foi
baseado em 22 grupos de discussão divididos pelas regiões da cidade e integrados por profissionais (urbanistas, por exemplo) e
por moradores locais.
Experiência administrativa ela
não tem. Sua carreira política começou na militância estudantil,
como presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Comunicação, vice-presidente do Diretório Estadual dos Estudantes e diretora da UNE em 1992 e 1993.
Também foi funcionária pública concursada, especializou-se
em coleta de lixo (principal trauma de Fontenele) e foi pesquisadora do Datafolha. Foi vereadora
em dois mandatos e agora é deputada estadual. Tudo somado, virou craque em campanha.
Luizianne passou por prévias
apertadas até obter a legenda, mas
o PT nacional não apenas considerava sua pretensão "aventureira" -como declarou o presidente do partido, seu conterrâneo José Genoino- como tinha outros
motivos para desprezá-la.
O principal é que o Planalto e o
partido precisavam retribuir o
apoio do PC do B a candidatos petistas em outros Estados. Fortaleza vinha bem a calhar: o comunista Inácio Arruda já tinha sido candidato com apoio do PT e era favorito nas pesquisas.
Outro motivo: as posições internas de Luizianne, que, rindo, se
declara "xiita". Ela é da DS (Democracia Socialista), tendência à
esquerda no PT e que era integrada, por exemplo, pela senadora
Heloísa Helena, expulsa do partido. Assim como Heloísa no Senado, Luizianne votou na Assembléia contra a reforma da Previdência e a cobrança dos inativos.
"Eu adoro a Heloísa. Pobrezinha, olha o que fizeram com ela!",
disse. A diferença entre as duas é
que a senadora foi para o confronto e ficou sem a legenda, mas
a candidata a prefeita é dura na
queda, quer brigar dentro do PT e
governar a cidade com ele.
Uma cidade com algumas peculiaridades. Uma delas é a presença
feminina na política. Elegeu Maria Luiza Fontenele e, recentemente, a senadora Patrícia Saboya (do PPS, ex-mulher do ex-governador e atual ministro Ciro
Gomes) e a vice-prefeita, Isabel
Lopes, que rompeu com o prefeito Juraci Magalhães, do PMDB, e
aderiu ao PT.
Outra peculiaridade: Luizianne
é a queridinha dos ricos e da classe média de Fortaleza. Virou musa, por exemplo, das mulheres e
homens que fazem caminhadas
pela orla, dia e noite. Uma delas,
elegante, moderna, chegou a chorar na tarde de quarta-feira ao
abraçar a candidata.
Luizianne é a mais velha e única
mulher entre os quatro filhos de
um oficial do Corpo de Bombeiros e de uma professora do município, agora aposentada. Como
eles são separados, ela tem quartos tanto na casa do pai quanto da
mãe e se divide entre as duas.
Seu namorado, Sérgio Novaes, é
do PSB e acaba de ser eleito vereador. Os dois são pais de Tié, 4, mas
não moram juntos.
À noite, Luizianne incorpora a
personagem jovem, frequenta bares, ouve música e é boa de copo.
Gosta de cerveja, vinho, caipirinha de limão ou de lima. Dorme
pouco e tem uma energia invejável -coisa típica de candidato.
Apesar de não se declarar religiosa, Luizianne é precavida: "Sou
marxista esotérica", diz ela, ostentando no pulso um terço de pequenas pérolas falsas, para "dar
sorte". Luizianne não tira essa espécie de amuleto por nada até o
segundo turno contra o ex-delegado Moroni Torgan, do PFL.
Mas, se é tão precavida, ela não
deveria tirar mesmo é depois disso, especialmente se ganhar. É aí
que a jovem e destemida Luizianne Lins vai precisar, não só de Lula e do PT, mas de muita sorte.
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