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MÃOS DADAS
Depois de muitos anos de rivalidade, o fim dos oito anos de governo tucano reaproxima o intelectual do líder metalúrgico
Fernando Henrique e Lula já somam 25 anos de coabitação
CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
São no mínimo 25 anos de convivência, algumas vezes no mesmo campo, noutras em campos
opostos. Agora que ambos se
tornaram presidentes, será finalmente (como Humphrey Bogart
e Claude Rains em "Casablanca") o início duma bela amizade?
O intelectual Fernando Henrique Cardoso e o metalúrgico
Luiz Inácio Lula da Silva se conhecem, segundo relatos de amigos, pelo menos desde 1977. Naquele ano, Lula, Marisa e filhos
chegariam a se hospedar na casa
de praia de Fernando Henrique,
em Picinguaba, litoral paulista.
FHC não estava lá. Como ele tinha ido passar alguns meses
dando aulas na Universidade de
Paris, cedeu a casa ao amigo
Eduardo Suplicy. Lula, convidado a ficar um fim-de-semana ali,
ficou extasiado com a paisagem.
Só reclamou dos mosquitos.
Ao voltar da França, FHC se
aproxima do movimento operário que incendiava o ABC paulista, liderado por Lula. Vendo o
domínio dos sindicalistas sobre a
massa enfurecida, lutando por
seus direitos em pleno regime
militar, o acadêmico declararia
que tinham "uma capacidade de
comando de dar inveja".
Lula era considerado por FHC,
nessa época, "um fenômeno da
natureza". Que, em 1978, apoiaria o novo "companheiro" em
sua candidatura ao Senado:
"Preferi remar contra a maré e
apoiar o homem que eu achava
ser o melhor dos candidatos",
declarou. Ele e FHC chegam a se
juntar para fundar um novo partido, com os chamados "autênticos" do MDB. Mas, enquanto os
políticos queriam cautela, os sindicalistas tinham pressa.
"Estou cansado de ouvir: "Lula,
não é o momento oportuno. Lula, a repressão está aí'", declararia
o metalúrgico em 1979, um ano
antes de decidir fundar o seu PT
-sem FHC, que fez "reparos
quanto à oportunidade" de se
criar um novo partido desde o
princípio. Queria Lula no PMDB.
O senador Eduardo Suplicy
(PT-SP), em cuja casa ocorreram
muitas dessas reuniões, acha que
a idéia não prosperou por uma
razão simples: tanto Lula quanto
Fernando Henrique queriam liderar a nova legenda. "Cada um
avaliava que seria o líder maior
da organização que se formasse.
Tinham dificuldade de aceitar a
liderança um do outro, e ficava
muito difícil para ambos ficar no
mesmo partido", diz Suplicy.
Essa rivalidade fica patente em
uma história que Lula adora contar, dos tempos de líder sindical:
"Tinha ido jantar de madrugada
com o Fernando Henrique, que
era suplente de senador e disse
ter informações de que não tinha
como a polícia intervir no sindicato. Lá pelas três da manhã, eu
já estava cochilando no sofá
quando o pessoal gritou: "A polícia cercou o sindicato!" Ele já não
era um bom analista político".
Já FHC gosta de falar que Lula
não criou o PT. "Quem fundou o
PT foi Benedito Marcílio, que era
líder do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e deputado
federal. O Lula entrou porque
competia com Marcílio, que era
o líder maior na região", disse a
Roberto Pompeu de Toledo.
Egos à parte, nomes próximos
aos dois dizem que a admiração
não cessou nem mesmo nos momentos mais difíceis. "Fernando
Henrique sempre simpatizou
com o Lula", diz Frei Betto, amigo do presidente eleito. Em 1983,
quando começa o movimento
pelas diretas, Lula e FHC voltam
a dividir o mesmo palanque. Em
seguida, depois que a emenda
Dante de Oliveira, que previa as
eleições para presidente, é derrotada, divergem no apoio a Tancredo Neves no colégio eleitoral.
O PT se recusa a participar.
A gota d'água no relacionamento entre FHC e Lula ocorre
em 1985, quando o primeiro é
derrotado por Jânio Quadros para a Prefeitura de São Paulo. FHC
acusa o candidato petista, Suplicy, de ter feito uma campanha
"demagógica". Em 89, FHC não
dá o apoio esperado a Lula no segundo turno, contra Collor.
Como se explica a felicidade do
presidente em passar o cargo a
Lula? Todo mundo tem sua teoria. Cândido Mendes diz ver "a
volta do pensador" na atitude do
presidente de facilitar a transição: "O eu profundo dos dois
marchou para a mesma foz".
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