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LAÇOS DE FAMÍLIA
Jaime, 65, irmão operário do presidente eleito, nunca chegou a militar em sindicato
Em pequena fábrica paulistana, trabalha outro Inácio da Silva
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele tem 65 anos e mora em uma
casa que ainda não acabou de
construir. Acorda diariamente às
4h30 e logo está na rua. Pega três
ônibus, que o levam para o emprego, de onde só sai às 17h. Na
ida, percorre sentado o trajeto de
90 minutos. Na volta... "Não sento
nem com reza brava. Dou graças a
Deus se, dentro dos ônibus, consigo manter os pés no chão. Comum mesmo é viajar espremido,
flutuando."
Nas eleições de outubro, votou
em Luiz Inácio Lula da Silva. Espera, agora, que o petista faça
"um bom governo". "Apenas isso: um bom governo. Se um cabra
daqueles não fizer, quem fará?"
Olhando-o de perto, descobre-se que exibe muitas semelhanças
com Lula. Nasceu em Caetés -cidade do agreste pernambucano
que também serviu de berço para
o ex-líder sindical- e hoje vive
no Parque Selecta, bairro periférico de São Bernardo do Campo
(SP). Trabalha como metalúrgico.
Na mão esquerda, faltam-lhe
pedaços de dois dedos: a falange
do "maior-de-todos" e uma lasca
do "fura-bolo". Perdeu-os em
1984. "Acidente profissional."
O mais notável, no entanto: chama-se Jaime Inácio da Silva. É irmão de Lula -"irmão completo,
por parte de pai e mãe". Uma ressalva importante, já que o presidente eleito contabiliza um punhado de irmãos "incompletos".
Da união com o estivador Aristides Inácio da Silva, dona Lindu
(ou Eurídice Ferreira de Melo) gerou 12 filhos, incluindo Jaime e
Lula. Quatro crianças não sobreviveram, e o mecânico Zé Cuia sucumbiu, adulto, à doença de Chagas.
Num segundo casamento, Aristides concebeu outros 13 herdeiros. Três morreram.
Assim, Lula ainda possui sete irmãos e dez meios-irmãos, gestados por Valdomira Ferreira de
Góis, a Mocinha, prima de dona
Lindu.
Dos sete irmãos, Jaime é o mais
velho, o que se encontra em pior
situação financeira e o único que
continua operário. "Sigo levando
vida de peão." Peão que não concluiu o primeiro grau e nunca se
envolveu com sindicalismo. "Sinceramente? De sindicato, não entendo nada."
Enquanto o Partido dos Trabalhadores não existia, proclamava-se janista. "Gostava de Jânio Quadros porque o considerava um cara honesto." Depois que o PT surgiu, mudou de preferência. "Sempre votei em Lula e nos companheiros dele." Conhece pessoalmente o senador Eduardo Suplicy
e o deputado José Genoino. "Admiro os dois."
Também admira todo tipo de
militância política. "Luta bonita, a
dos que pelejam pelo poder. Só
que cada um vem com uma missão. A minha é a do operário. A de
Lula, o país inteiro já aceitou. O tal
negócio: sujeito que nasce para
vintém não vira tostão. Matutei
muitas vezes sobre a coisa e percebi que sinto orgulho de meu papel. A sociedade precisa tanto do
tostão quanto do vintém."
"Evito a política", insiste, "por
ser meio esquentado e não saber
discutir. Não aprendi a negociar,
compreende?". Lança, então, um
exemplo: "Se você disser "vou lhe
dar meu relógio e, em troca, apanhar o seu", recuso. Fico com a
impressão de que você está me
enrolando".
Cozinha, sala e banheiro
Aposentado desde 1990, Jaime
recebe da Previdência R$ 370 por
mês. "Pode?" O dinheiro, curto,
obriga-o a permanecer "no batente". "Sorte que não tenho preguiça e que não me acho velho. Usado, sim. Velho..."
A pequena metalúrgica em que
trabalha, na Vila das Mercês (zona sul paulistana), fabrica eixos
para bombas d'água e dispõe de
apenas cinco operários. Todos os
colegas de Jaime são bem mais jovens. Oscilam entre 17 e 51 anos.
O dono da empresa, Sérgio Alberto Casasanta, conta que, após a
vitória de Lula, procurou o "irmão do homem". "E agora?", perguntou-lhe. A resposta: "Não faço
a mínima idéia".
"Se algo mudará em minha rotina?", conjectura Jaime. "Melhor
não pensar no assunto. É como
expliquei: cada qual carrega a sina
que lhe cabe."
A casa própria em que mora
com a mulher e a filha, num terreno de 125 metros quadrados, deverá se tornar um sobrado de três
dormitórios. Por ora, entretanto,
se reduz a cozinha, sala e banheiro. "Tijolo, cal, cimento, areia...
Os olhos da cara, viu? Não consegui iniciar os quartos nem terminar a lavanderia."
Jaime começou a construção
em 1996. Livrou-se do aluguel que
sempre o atormentou, mas amarga a perda de espaço. Enquanto
não finaliza a obra, a família tem
de dormir na sala. A cozinha abriga a máquina em que a filha do casal, costureira, atravessa os dias.
Ela e o pai respondem, juntos, por
uma renda mensal "maior que R$
1.000 e menor que R$ 2.000".
Rui Barbosa
Sisudo e calado, Jaime é um bocado arredio nos primeiros contatos. "Desconfiança de sertanejo."
Quando relaxa, porém, fala alto,
gesticula e revela-se um ardiloso
piadista. Provoca o repórter: "De
um lado, o peão. Do outro, Rui
Barbosa, anotando. O peão narra
a história toda, e quem leva a fama? Rui Barbosa, claro".
A história, aliás, contém ingredientes dramáticos. Menino, Jaime capinava feijão, milho e mandioca no sítio Várzea Comprida,
em Caetés, onde cresceu. Não conhecia "rádio nem futebol".
Descobriu os dois no Guarujá
(SP) e rapidamente aderiu à "fé
pelo Corinthians", o time de Lula.
Migrou para o município paulista
em 1950, com Aristides, que àquela altura já substituíra dona Lindu
por Mocinha. A viagem, num
pau-de-arara, durou "nove luas".
O pai, homem rigorosíssimo,
aplicava surras constantes em Jaime e o proibia de estudar. Saudoso da mãe e dos irmãos que deixara no agreste, o garoto lhes escreveu, pedindo que vendessem "as
tralhas" e ganhassem a estrada.
Assinou a carta com o nome de
Aristides. A artimanha funcionou
e, tempos depois, dona Lindu desembarcou no Guarujá.
Antes de virar metalúrgico, Jaime exerceu várias atividades: ajudante geral, carvoeiro, carregador, marceneiro. Foi justamente
numa serra de marcenaria que feriu os dedos. "Estava arredondando os cantos de uma mesa, quando a mão escorregou." Naquele
dia, soube que um sobrinho nascera. "O danado espichou, se tornou rapagão, e meus dois dedos
continuam pequenos."
Sobre o futuro governo do irmão, discorre pouco. "Não adianta indagar se desejo que Lula aja
assim ou assado. Pega mal me
meter em mundo que ignoro."
Não torce nem mesmo para que
o salário mínimo aumente? "Moço, qualquer um que subir lá vai
precisar mexer no vespeiro, porque o caldo aqui só engrossa."
Embora não se frequentem, Jaime diz cultivar "ótimas relações"
com Lula. "É mais fácil tirar um
bilhete premiado do que encontrá-lo em casa." Abraçaram-se
pela última vez no domingo do
segundo turno. "Fui àquele hotel
onde ele descansava para lhe oferecer minhas felicitações."
Pretende revê-lo na posse.
"Quero arranjar uma maneira de
ir. Nunca pisei em Brasília, mas
estou sossegado: ninguém se perde ali, não."
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