São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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LEGISLATIVO

Sub-representação no Congresso nunca incomodou São Paulo e Minas e ajudou a manter unidade territorial

Distorção na Câmara deu unidade ao país

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

Desde o século 19, os Estados mais populosos, Minas Gerais e São Paulo, têm sido prejudicados na divisão das cadeiras na Câmara dos Deputados, que deveria ser proporcional à população. Embora a distorção seja muito antiga, ambos nunca se empenharam em eliminá-la. Ora, se ela é tão ruim, por que persiste até hoje? Por que os dois nunca se rebelaram?
Porque não precisavam disso. As elites de São Paulo e Minas sempre lutaram pelo Executivo, que é o verdadeiro núcleo do poder. Diante dele, o Legislativo é uma esfera secundária, que pode frear ou apoiar as iniciativas do presidente, mas não governa: não é um poder ativo, e sim reativo.
Os Estados fortes preferiram ceder às unidades mais fracas parte das vagas no Congresso a que tinham direito para reforçar a lealdade dessas regiões ao governo central, que era dominado justamente pelos Estados "prejudicados" pela má divisão das cadeiras.
Num país como o Brasil, colonizado a partir da costa, essa medida favoreceu as regiões de fronteira, sobretudo no Norte e Centro-Oeste, desestimulando revoltas que comprometessem a unidade da nação. Assim, sem abrir mão do poder (concentrado no Executivo), a elite do Sudeste evitou a repetição dos movimentos separatistas que sacudiram o Império.
As eleições comprovam que essa estratégia de longo prazo dos políticos paulistas e mineiros foi bem-sucedida, se descontarmos a era Vargas (1930-1945) e o regime militar (1964-1985), instaurados por movimentos armados.
Isso não significa que o Sudeste tenha abandonado o Congresso: o desvio na divisão das vagas na Câmara gira em torno de 9% (raramente superou 10%) e o principal colégio eleitoral sempre teve, sozinho, uma bancada considerável: em 1893, Minas elegeu 37 deputados, contra 36 dos nove Estados menos populosos somados; hoje, as nove bancadas menores possuem, em conjunto, 72 deputados, só dois a mais que São Paulo.

Estados médios
Além de transferir cadeiras aos Estados fracos, o sistema beneficiava alguns Estados relevantes, mas que em geral só elegiam vice-presidentes. O Rio, sobre-representado em todos os pleitos, é o caso mais patente. Outras unidades também elegiam regularmente mais deputados do que deveriam: em 30 eleições analisadas, Pernambuco foi favorecido em 23 pleitos, e o Ceará, em 18. O inverso ocorria com a Bahia, sub-representada em 24 de 30 pleitos.
O Rio Grande do Sul foi muito beneficiado na República Velha. Com a queda de Vargas, porém, o Estado foi "punido" e passou a eleger menos deputados de 1945 a 1966. Reabilitado pelos presidentes militares (Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel eram gaúchos), voltou a ser beneficiado de 1970 até 1982. Outro Estado protegido pelos generais foi o Paraná, sobre-representado desde 1974.
Como nota Jairo Marconi Nicolau ("As distorções na representação dos Estados na Câmara dos Deputados brasileira"), o Sul, um dos redutos do MDB, foi favorecido pelo regime militar (esteve sobre-representado em 1970, 1974, 1978 e 1982), enquanto o Nordeste, embora beneficiado em 1978 e 1982, foi lesado em 1970 e 1974.
Segundo Nicolau, as falhas na representação derivam de três fatores: a fixação de um mínimo de deputados por Estado, o que sobre-representa as unidades menos populosas; a definição de um número máximo de deputados e a distribuição de cadeiras a intervalos crescentes, que sub-representam as unidades mais populosas; e a falta de ajuste periódico do número de vagas às populações.
Enquanto os dois primeiros mecanismos visam "equilibrar" o poder na Federação, o último resulta da resistência dos Estados à redução das bancadas e da inércia da Justiça Eleitoral. Os efeitos do não-ajuste periódico só são atenuados com a ampliação da Câmara -desde 1872, o número de deputados subiu de 122 para 513. O plenário, com 395 lugares, hoje não comporta todos os deputados (muitos ficam de pé nas sessões).



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