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JANIO DE FREITAS
Dúvidas atômicas
A inspeção internacional
que o Brasil se recusa a admitir na usina de enriquecimento
de urânio, em Resende, é um problema mais complicado do que
aparenta. Não se resolverá com a
simples invocação da soberania e
de propósitos pacíficos, como faz o
governo, ou com a admissão das
inspeções plenas também por serem pacíficas as finalidades da
energia nuclear brasileira, como
determina a Constituição.
O problema começa por exigir
mais sutileza do que a utilizada
até aqui, pelos ministérios de Relações Exteriores e da Defesa e pela Marinha, porque se trata de
um dos assuntos a que a opinião
pública ocidental é mais sensível.
O estilo "não cedemos e pronto"
pode desencadear uma onda anti-Brasil que não haveria como
neutralizar. E ainda traria o risco
de aceitação final das inspeções,
com sabor de capitulação. Quem
não é potência tem de ser pelo menos sutil.
No plano de uma definição política ou pessoal, entre as várias opções possíveis, o problema não é
menos difícil. O envolvimento dos
militares brasileiros com energia
nuclear começou e se desenvolveu
absolutamente à margem do conhecimento da sociedade. Já por
aí, uma atividade de gravíssimas
implicações praticada em contraste com a clareza implícita na
determinação constitucional de
finalidades exclusivamente pacíficas.
A certa altura, descobriu-se a
existência de pesquisa da Marinha para propulsão nuclear de
submarinos, o que não cabe nas
exigidas finalidades pacíficas. Até
hoje não foi dada à sociedade,
nem mesmo ao Congresso, uma
explicação para os buracos feitos
na região da serra do Cachimbo,
área sob controle da Aeronáutica,
com características dos poços para explosões atômicas subterrâneas, como foi revelado há mais
de 15 anos pela Folha em trabalho
de Elvira Lobato. Também naqueles finais de anos 80, a Folha
revelou a manipulação de grandes verbas secretas pela Comissão
Nacional de Energia Nuclear, por
intermédio de uma misteriosa
"conta D" descoberta pela repórter Tânia Malheiros.
De minha parte, tenho dúvida
de que a parte civil do governo, aí
incluída a Presidência da República, tenha conhecimento integral dos projetos e atividades brasileiros em energia nuclear. Um
governo ao qual os militares recusam indicar onde estão cadáveres
enterrados há mais de 30 anos, e
não adota uma resposta de autoridade, não demonstra muito crédito para segredos bélicos.
A exigência de inspeção plena
da usina, havendo já os outros
controles a que tratados obrigam
o Brasil, parece exorbitante. Além
disso, pode ser verdadeiro tudo o
que está dito sobre os propósitos
pacíficos das atividades brasileiras atuais com urânio. Nem por
isso é sequer arranhada esta verdade histórica: a junção de ciência e militar jamais trouxe algum
bem para a humanidade.
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