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CÂMARA OCULTA
João Paulo Cunha, presidente da Casa, não respondeu ao Ministério Público sobre o que fará para moralizar uso dos CNEs
Prazo para rever cargos vips é descumprido
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA
Quase um mês depois de ser cobrado oficialmente pelo Ministério Público, o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo
Cunha (PT-SP), ainda não tomou
providências para rever todo o
atual sistema de contratação e uso
dos chamados CNEs (Cargos de
Natureza Especial) -1.960 cargos
vips comissionados, de livre provimento, com salários que vão de
R$ 1.688,72 a R$ 7.428,77.
Um relatório da Secretaria de
Controle Interno -o órgão da
Câmara que tem por obrigação
sanar desvios administrativos-
confirmou as irregularidades reveladas numa série de reportagens publicadas pela Folha entre
agosto e setembro de 2003.
O estudo, assinado por uma
equipe de cinco servidores chefiada pelo secretário de Controle Interno, Salvador Roque Batista,
apontou que 803 pessoas lotadas
em CNEs na verdade moram fora
do Distrito Federal.
"[...] Necessário se faz fixar, por
resolução, o tipo de atividade, as
atribuições, as responsabilidades,
os limites quantitativos, as circunstâncias e os mecanismos de
controle, a fim de possibilitar a
aferição da efetiva prestação desses serviços externos", afirma o
relatório.
Hoje, todos os CNEs são lotados
oficialmente em Brasília, mas
muitos são deslocados, sem nenhum controle, para fazer trabalho político em redutos eleitorais
dos deputados.
À época da divulgação das irregularidades, João Paulo atacou as
reportagens. "Assacar contra a legitimidade da atividade parlamentar, usando para isso distorções de informações públicas e
análises parciais da legislação que
rege o funcionamento do Parlamento, não serve à democracia",
escreveu, em artigo publicado na
Folha em 21 de agosto.
O estudo comandado pelo secretário de Controle Interno também incluiu uma proposta de
projeto de lei a ser assinado por
João Paulo. O Ministério Público
Federal, informado sobre o resultado da apuração, enviou um ofício para que o presidente da Câmara responda quais providências tomou ou tomará.
O prazo dado pelo Ministério
Público, contado a partir do último dia 17, quando João Paulo recebeu o ofício do procurador-geral da República, Claudio Fonteles, venceu no último dia 7.
Desde então, o Ministério Público informou ter meios para
propor ações judiciais contra o
presidente da Câmara, a direção
administrativa e a Mesa Diretora
da Casa.
A minuta do projeto de lei propõe uma revolução no sistema
dos CNEs. No capítulo das proibições, as mais importantes são: 1)
utilização do CNE para "atividades de arregimentação de filiados,
de estruturação ou complementação da burocracia interna dos
partidos políticos, em campanhas
eleitorais e em outras atividades
de cunho eleitoral"; 2) exercer
função "em gabinetes dos deputados ou nas respectivas projeções
nos Estados ou no Distrito Federal" (a Folha havia revelado que
vários deputados, como o próprio
João Paulo, usavam CNEs em
seus escritórios estaduais); 3) trabalhar fora da Câmara, em hipótese alguma, os CNEs de alguns
setores, tais como a Cope (Coordenação de Programas Especiais,
onde a reportagem encontrou
trabalhando apenas quatro, de
130 CNEs existentes); 4) a contratação de parentes de deputados (a
reportagem havia apontado a
existência de 50 deles).
A proposta da Secretaria de
Controle Interno admite a possibilidade de os CNEs desempenharem tarefas fora de Brasília,
mas só para alguns setores da Casa e sempre no limite máximo de
30% dos cargos.
Cada trabalho externo deverá
ainda ser autorizado pela presidência da Câmara "em processo
administrativo específico". O
processo deverá dizer o período
previsto para o exercício externo
do cargo, as atribuições, o horário
de trabalho, o endereço residencial do CNE, o endereço do trabalho e "o responsável por atestar a
freqüência do servidor".
Não existe hoje tal processo -o
responsável pelo lugar em que o
CNE está lotado simplesmente o
"libera", informal e verbalmente,
para atuar em outro Estado.
A minuta do projeto de lei também sugere uma forte transparência em relação ao controle do
trabalho do CNE: "As atividades
desempenhadas fora das dependências da Câmara dos Deputados deverão ser diariamente registradas na extranet".
A divulgação seria feita por
meio de um aplicativo que registrasse "o horário de alimentação
dos dados, a fim de subsidiar a devida aferição do cumprimento do
horário de trabalho estabelecido".
Desvio
"O que não pode haver em relação aos CNEs é a disfunção dos
cargos, o descontrole de suas
atuações e a desconfiança de que
realmente estão todos eles exercendo atividade parlamentar",
afirmou Lucas Furtado, o procurador-geral do Ministério Público
no TCU (Tribunal de Contas da
União). No ano passado, Furtado
pediu que a Secretaria de Controle Interno da Câmara realizasse
uma auditoria entre os ocupantes
de cargo de natureza especial, depois da publicação das reportagens da Folha. De acordo com ele,
as nomeações devem vir acompanhadas de um "controle".
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