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São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

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ELIO GASPARI

Pensamento único é isso aí

Dizer que o governo de Lula é um prolongamento do mandarinato de FFHH pode ser exagero. No caso da reforma da Previdência, não se trata de continuísmo, mas de plágio, aquele tipo de cola que em colégio sério acaba em punição do aluno. Três dos 106 parágrafos da Exposição de Motivos da Reforma da Previdência assinada pelo ministro Ricardo Berzoini e enviada ao Congresso são uma cópia literal do "Livro Branco da Previdência", preparado no ano passado pelo ministro José Cechin. Não são três parágrafos quaisquer. São o coração do argumento em favor da tributação dos inativos.
O doutor Berzoini assumiu dizendo que pretendia abrir a "caixa-preta da Previdência". Lendo-se a sua Exposição de Motivos ouvem-se aqui e ali ecos do tucanato. Em vez de ir à caixa-preta, foi ao Livro Branco. Os redatores da Exposição de Motivos reescreveram alguns trechos, vertendo o tucanês para a linguagem politicamente petista. No parágrafo 66 eles se cansaram e passaram a colar.
Lula sempre gostou de atacar aquilo que chamava de "pensamento único". No caso da reforma da Previdência, verifica-se que o pensar tucano é único porque o PT não tem outro. Um exemplo, o do parágrafo 68. O Livro Branco de Cechin diz:
"A grande maioria dos atuais servidores aposentados contribuiu, em geral, por pouco tempo, com alíquotas módicas, sobre parte da remuneração e sobre uma remuneração que foi variável durante suas vidas no serviço público. Isso porque há significativa diferença entre a remuneração na admissão e aquela em que se dá a aposentadoria em razão dos planos de cargos e salários das diversas carreiras de servidores públicos".
A Exposição de Motivos repete, ipsis verbis, a mesma coisa. Limitaram-se a trocar o "em geral" por um "em regra". Meteram-se com a palavra que tirava o escritor Graciliano Ramos do sério. Sua sentença contra a expressão "via de regra" não pode ser publicada em jornal que entra em casa de família.
Cechin considerou-se lisonjeado. Ser plagiado pelos opositores é uma das formas mais elevadas de triunfo intelectual.

Dando, não paga
Pelo menos um senador tem ciência de que há no Planalto um refinado sistema de monitoração das atividades dos parlamentares. Quando é o caso, cruzam-se votos com pleitos de empresas junto à Viúva.
O senador não sabia direito como votar. Aprendeu que na outra ponta havia um burocrata que não sabia direito o que fazer com o processo de suas empresas na anistia tributária do Refis.
Entenderam-se, numa variante da lição franciscana: "É dando que não se paga".

Babá se cuida
O deputado Babá deve ter recebido algum sinal dos céus. Os dirigentes sindicais do Fórum em Defesa da Previdência Social combinaram com ele que lhe entregariam um projeto alternativo à reforma do governo. Ele topou e a proposta ficou conhecida nos sindicatos como "Emenda Babá". Há dez dias, levaram-lhe o texto. O professor achou-o muito longo e disse que não teria tempo para estudá-lo.


Fome 100
Está muito certo que a rede de supermercados Pão de Açúcar ajude o Fome Zero, mas é exagero contratar jovens para que circulem diante de sua lojas sugerindo aos clientes do Brasil que come que doem um quilo de grãos para o Brasil que tem fome. Se uma alma altruísta compra dois quilos de feijão, o Pão de Açúcar os remete a uma creche, mas fica com a parte que lhe cabe, também denominada lucro. Surge assim uma nova modalidade de intermediação da fome.
O Pão de Açúcar não está ajudando o Fome Zero para ganhar dinheiro. Pelo contrário, deve estar gastando algum, pois contratou jovens para trabalhar na coleta de doações.
Custaria pouco à empresa dar um mimo (de valor próximo ao seu lucro no quilo de feijão) aos clientes que comprassem comida para o Fome Zero. O cidadão dá o feijão a quem tem fome e ganha uma caneta do supermercado. Fica todo mundo feliz, sem gosto ruim na boca.

ENTREVISTA

José Roberto Afonso

42 anos, economista de carreira do BNDES, assessor parlamentar do PSDB

- A reforma tributária de Lula fica em pé?
- O governo não apresentou uma reforma tributária. O que há aí é uma derrama. Os governadores que foram ao Congresso não tiveram tempo para estudar o pacote que receberam. Durante a reunião com o presidente, na Granja do Torto, foi proibida a entrada dos secretários da Fazenda. Eles ficaram numa sala com os motoristas. Bloquearam os celulares, como se aquilo fosse Bangu 1. Numa reunião no ministério da Fazenda, os secretários não podiam levar assessores. Uma coisa que nasce desse jeito não acaba bem. O governo fez um pacote destinado a aumentar a arrecadação. Hoje ela está perto 37% do PIB. É a maior entre todos os países que competem conosco. Não se pode querer levar a carga para perto dos 40%, pois a economia não aguenta. O melhor que o Congresso tem a fazer é separar a derrama daquilo que pode vir a ser uma reforma tributária. Descontamina o debate da reforma.
- O PT já ensinou: toda reforma tributária é chamada de derrama pela oposição e toda derrama é chamada de reforma pelo governo. Dê exemplos da derrama.
- O projeto do governo congela em 0,38 a alíquota da CPMF. A Constituição determina que no ano que vem ela baixe para 0,08. O governo quer acabar com a redução. Nesse lance, arrecada R$ 20 bilhões. A proposta promete a suspensão das isenções de ICMS. Coisa bonita de falar, mas acaba a isenção da cesta básica, dos remédios e materiais hospitalares. Por baixo, isso rende uns R$ 10 bilhões. Vão tomar mais R$ 1,5 bilhão, pelo menos, aumentando o teto das contribuições dos trabalhadores para o INSS. A unificação do ICMS também acabará em aumento de arrecadação. Veja um exemplo, o do óleo diesel. São Paulo cobra um ICMS de 12%. O Rio e o Nordeste, 18%. Vão unificar pelos 12% ou pelos 18%? Se ficar nos 12%, perdem receita. Eu nunca vi um governo estadual propor queda de arrecadação. Ainda não se pode estimar o tamanho da derrama, mas ela pode chegar a R$ 40 bilhões, algo como 3% do PIB.
- Qual a sua proposta de reforma tributária?
- Hoje, tudo o que nós precisamos é de um sistema que desonere as exportações, os investimentos e o emprego. Antes de qualquer outra coisa, a União deve ajudar os Estados a devolver às empresas exportadoras o ICMS que vem embutido nas suas compras. É coisa de bilhões de reais. Se o Estados tivessem que pagar, de uma hora para outra, quebrariam. Teve empresa que já tomou chapéu de R$ 2 bilhões. A Exposição de Motivos do governo também fala em desonerar os investimentos. Você vai ao texto e procura as medidas, nada. Não toca no assunto. Em vez de onerar o trabalho, aumentando a contribuição dos empregados para o INSS, o governo poderia usar a CPMF como um estímulo ao emprego formal. Bastaria transformar aquilo que o empregador pagou na CPMF em adiantamento de contribuição previdenciária. Se a empresa pagou R$ 100 e tem empregados com carteira assinada, credita-se em R$ 100 para quitar contas com a Previdência. Se não assina a carteira dos trabalhadores, paga R$ 100 de CPMF e não recebe crédito algum. Temos que procurar uma reforma, o que o governo fez foi uma recarga.

Os legistas deram a volta por cima

A medicina legal escreveu uma bonita página da história da ciência brasileira. O Centro de Medicina Legal -Cemel- da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto ganhou duas páginas na revista "Nature", a publicação científica de maior prestígio na Europa. Logo esse ramo da medicina, que nos anos 70 escreveu uma das piores, quando uma dúzia de médicos delinquentes assinava laudos falsos para o aparelho de matança da ditadura.
Criado e dirigido pela professora Carmen Cinira Santos Martin, de 54 anos, o Cemel é um dos muitos exemplos de sucesso da USP e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. O centro tornou-se um núcleo de excelência científica mantendo-se longe dos holofotes, tanto da notoriedade como da polícia.
A "Nature" registra que graças a um pesquisador do Cemel e ao trabalho do professor Daniel Muñoz, da USP, poderão vir a ser identificadas mais algumas ossadas das valas clandestinas de Perus. Há 15 no armário. Exames de DNA que custam em torno de R$ 2.000 na rede privada, podendo chegar a R$ 25 mil em casos de esqueletos com herdeiros, são feitas de graça pelo Cemel.
Vale a pena registrar que o aparecimento de um centro de excelência médica numa área apodrecida do serviço público deve-se ao governo de um engenheiro. Foi Mário Covas quem separou os centros de pesquisa de medicina legal da máquina da polícia. Pena que seu sucessor mantenha na Divisão de Inteligência da polícia o delegado Laertes Calandra, interrogador do DOI, instituição fornecedora de cadáveres aos delinquentes do IML durante a ditadura.

Ajuda para o desemprego
O deputado petista Professor Luizinho achou um jeito de tungar os contribuintes que prestam serviços a terceiros. Um advogado, economista ou jornalista que vende serviços por meio de uma microempresa paga dois tipos de tributos sobre a presunção do seu lucro.
O Imposto de Renda presume o lucro em 32% e taxa-o em 25%. Para cada R$ 100 que o cidadão fatura, paga R$ 8 de IR. Depois vem a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Presume o lucro em 12% e taxa-o em 9%. Num faturamento de R$ 100 o bugre paga uma contribuição de R$ 1,08.
O professor Luizinho mudou isso. Elevou a base de cálculo da Contribuição de 12% para 32%. O que era R$ 1,08 virou R$ 2,8. Um aumento de de 167%.
A mudança não machuca as contas dos profissionais liberais e pode até fazer sentido. A coisa encrenca na taxação de grandes empresas de serviços. São companhias de limpeza, advocacia, e informática. Um estudo da MCM Associados mostra que uma empresa com faturamento de R$ 4 milhões anuais paga R$ 43 mil e pagará R$ 115 mil. Como empresário não trabalha para entrar no Fome Zero, é provável que essa pancada o leve a aumentar os preços ou a reduzir o número de empregados. Contribuição Social para produzir desemprego é novidade.

Eremildo, o Idiota
Eremildo é um idiota. Vende pentes no Largo da Carioca e diz que é vizinho do BNDES. Por idiota, não tem patrocinador, dívida atrasada nem fornecedor ameaçando-o. Isso o inabilita para a condição de parceiro de projeto estratégico.
O idiota soube que o governo pretende fundir a Varig e a Tam, injetando-lhes R$ 1 bilhão e colocando-as, em 2005, sob o guarda-chuva de uma nova empresa estatal. Isso nada tem a ver com outro bilhão, que a Viúva tem a receber nessas nuvens.
Eremildo acha que farão muito bem. A idéia de o Estado entrar para depois sair se parece com o que o BNDES fez com o Banco Meridional. Em 1984, o esquife do banco foi para seu cofre. Ficaria por lá um ano, no máximo. Ficou dez.
O idiota compra seus pentes em São Paulo e é cliente da ponte aérea. Soube pelo ministro da Defesa, doutor José Viegas, que as passagens desse circuito podem ficar 1% mais caras, para evitar o colapso da indústria do transporte aéreo.
Eremildo concluiu a fusão da Varig com a TAM ainda não saiu porque a Viúva, teimosa, não botou seu dinheiro no negócio. Felizmente, os doutores já identificaram os responsáveis pelo risco de colapso da indústria: a escumalha que voa na ponte aérea, sobretudo os idiotas que vendem pentes no Largo da Carioca.


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