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MÃE-RESISTÊNCIA
Dona Olga conta que, desde os 10 anos, o atual ministro-chefe da Casa Civil dizia que seria presidente
Mãe de Dirceu ficou dez anos sem notícias
CLÁUDIA TREVISAN
12 de outubro de 1968. A família
Oliveira e Silva se reúne na sala
para a "estréia" do televisor que o
patriarca, o sr. Castorino, havia
recebido de um consórcio algumas horas antes. O noticiário da
noite traz para a casa da pequena
Passa Quatro (MG) a imagem que
marcou a vida de dona Olga Guedes da Silva: a de seu filho José
Dirceu de Oliveira e Silva entrando em um camburão, depois de
ser preso com 920 pessoas que
participavam do congresso clandestino da UNE (União Nacional
dos Estudantes) em Ibiúna (SP).
Quase um ano depois, a televisão também foi o veículo pelo
qual da. Olga soube que o filho seria trocado pelo embaixador americano Charles Elbrick e deixaria o
país por tempo indeterminado. O
hoje ministro-chefe da Casa Civil
tinha 23 anos e integrava o grupo
de 15 presos políticos que foi libertado em 6 de setembro de 1969
em troca de Elbrick, sequestrado
por organizações de esquerda.
A liberdade veio acompanhada
do banimento, que levou Dirceu a
mergulhar no exílio e na clandestinidade por 10 anos. Nesse período, da. Olga não falou com o filho
e teve poucas notícias de seu paradeiro. Soube que ele foi para o
México e, depois, para Cuba. Mas
com o tempo deixou de ter a certeza de que ele estava vivo, apesar
de dizer que nunca perdeu a esperança de que ele voltaria.
Como dezenas de "mães-resistência", da. Olga esperou no Brasil, sempre em Passa Quatro, pelo
momento de rever o filho. Alguns
não sobreviveram, como lembrou
o ministro em seu discurso de
posse, que dedicou à sua geração,
marcada pelo movimento estudantil da década de 60. O seu filho, da. Olga reencontrou em 18
de dezembro de 1979, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
A certeza da volta foi se formando aos poucos, à medida que a família lia nos jornais e via na televisão as imagens dos exilados que
retornavam ao país depois da
aprovação da Lei da Anistia, em
agosto daquele ano.
"Começaram a voltar alguns
exilados e, claro, achamos que ele
também viria", disse da. Olga à
Folha na sua casa em Passa Quatro, cidade mineira de 15 mil habitantes encravada na Serra da
Mantiqueira, onde nasceu Dirceu.
Prestes a completar 83 anos no dia
17 de maio, da. Olga também viu
pela televisão a posse do filho na
Casa Civil.
A imagem da prisão no congresso da UNE também abalou sr.
Castorino, que morreu no dia 5 de
outubro de 1998, um dia depois de
o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, ser derrotado na reeleição de Fernando Henrique Cardoso. "Foi a primeira vez que vi
meu pai chorar", lembra Ana Maria, a quinta dos seis filhos de da.
Olga. O ministro tem mais uma
irmã, Neide, filha do primeiro casamento de sr. Castorino.
O fascínio pela política Dirceu
herdou do pai, tipógrafo que foi
um udenista apaixonado. "Em casa sempre tinha cartaz e uma porção de coisas da UDN", lembra
da. Olga. A mãe diz que percebeu
cedo a inclinação do filho. "Quando ele tinha 10 ou 11 anos, ele me
disse "mãe, o seu filho ainda vai
ser presidente da República". Você acredita?", lembra.
Não é uma frase rara em crianças dessa idade, mas no caso dele,
a profecia quase se concretizou.
Dirceu dá expediente no 4º andar
do Palácio do Planalto, um acima
do gabinete do presidente Lula.
Na volta ao Brasil, em 79, Dirceu
trouxe na bagagem uma história
de 10 anos, 4 dos quais passados
como clandestino em Cruzeiro
d'Oeste, no Paraná, com o nome
de Carlos Henrique Gouveia de
Mello. "Já pensou? Ele esteve no
Brasil e a gente não ficou sabendo."
Antes de assumir a identidade
de Carlos Henrique Gouveia de
Mello, Dirceu realizou uma cirurgia plástica em Cuba, que mudou
seu nariz e deixou as maçãs do
rosto mais salientes. Com a anistia, ele voltou a Cuba, desfez a cirurgia e retornou ao Brasil como
se tivesse passado os 10 anos realmente fora do país.
Católica praticante, da. Olga rezava a Nossa Senhora Aparecida e
a São Sebastião para pedir proteção ao filho durante o período em
que ele esteve ausente. E sempre
que fala com Dirceu, diz que continua a rezar, "porque em política,
assim como você está bem em um
dia, no outro pode estar mal".
Da. Olga diz que ela e o marido
nunca tentaram dissuadir o ministro a abandonar a política, nem
mesmo depois do exílio. "Era a vida dele. É a vida dele. Ele sempre
gostou, sempre liderou." Com a
fundação do PT, o casal acompanhou a opção política do filho e
passou a votar nos candidatos do
partido. "Sou petista, meu voto é
do PT", afirma da. Olga, que apesar disso não faz campanha para o
partido em Passa Quatro.
A mãe do chefe da Casa Civil
também nunca votou no filho,
que sempre se candidatou pelo
Estado de São Paulo. Na última
eleição, Dirceu recebeu 556.563
votos e foi o segundo deputado federal mais votado do país.
Quando o filho-criança falou
que queria ser presidente, da. Olga foi rápida: "Nossa meu filho, eu
não quero isso para você não".
Hoje é menos enfática e repete o
que parece ser um de seus bordões preferidos: "Fazer o quê?".
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