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NO PLANALTO
Governo abre janela de oportunidade$ às telefônicas
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Com a mordacidade que lhe
é peculiar, Delfim Netto
disse certa vez: "Se o governo
compra um circo, o anão começa
a crescer". Delfim entende do riscado. Foi, como se sabe, ministro
de regimes fardados, notórios levantadores de lona.
Sob FHC, venderam-se vistosos
picadeiros estatais. Brasília não
se livrou, porém, dos pigmeus-gigantes. Continuam refugiados
debaixo da saia da Viúva.
Ensaia-se sob Lula um espetáculo que reserva ao contribuinte o
papel de sempre: palhaço. Abaixo, um resumo em 18 atos do que
vai por trás das cortinas:
1) as estatais de telefonia foram
ao martelo em 29 de julho de
1998. Negócio trançado, como se
recorda, "no limite da irresponsabilidade";
2) acomodaram-se 54 operadoras telefônicas sob o guarda-chuva de 12 grandes holdings. Absorveram as ações que pertenciam à
Telebrás, hoje uma estatal em
processo de dissolução. A mercadoria despertou cobiça inaudita;
3) no item 4.1 do edital de privatização das teles, o governo lavou
as mãos em relação às "insubsistências ativas" e às "superveniências passivas". Significa dizer que
os compradores assumiram o risco de eventuais subvalorações patrimoniais ou dívidas remanescentes, ainda que "não mencionadas no edital";
4) formalizado o negócio, a vida
seguiu o seu curso. Os serviços telefônicos progrediram. As companhias privadas escrituram lucros
notáveis. Junto com os ganhos
vieram milhares de ações trabalhistas. Coisa, aliás, prevista no
edital de privatização. O item 6.1
do documento informou que foi
deduzido do preço mínimo das
telefônicas "o saldo de provisões
para contingências trabalhistas,
cíveis e tributárias";
5) em todo o país, as telefônicas
guerreiam nos tribunais. Colecionam derrotas. Adquirida pela
Brasil Telecom, a Telems (Cia.
Telefônica de Mato Grosso do
Sul), por exemplo, perdeu duas
causas milionárias. Mais de R$ 20
milhões, pelas contas do sindicato
dos empregados. Algo como R$ 13
milhões, pela estimativa de técnicos do Judiciário;
6) súbito, o Ministério Público
do Trabalho interveio na contenda. Enxergou suposto conluio entre advogados do sindicato e da
empresa. Os primeiros teriam pedido demais. Incluíram no processo até valores cuja exigibilidade encontra-se prescrita. Os segundos teriam feito corpo mole;
7) afora o alegado conluio, o
Ministério Público farejou nos
processos "riscos" para o Tesouro.
Requereu manifestação da Advocacia Geral da União. Podendo
informar que o Estado nada tinha a ver com a refrega, a Advocacia da União preferiu admitir,
por escrito, o "risco de uma possível responsabilização" do governo "pelos débitos trabalhistas" da
Telems. Surpresa (!!);
8) a petição é datada de 30 de
março de 2004. Assina-a o procurador-chefe da União em Mato
Grosso do Sul, Clênio Luiz Parizotto. O repórter tentou ouvi-lo.
Preferiu o silenciou. Brasília o
proíbe de falar;
9) em Brasília, na sede da Advocacia da União, confirmou-se ao
repórter o "risco" que assedia o
erário. Estupefação (!!!). A janela
para a encrenca estaria no item
5.1 do edital de privatização. Ali
está escrito que "as obrigações de
qualquer natureza", incluindo as
"trabalhistas", serão de "responsabilidade exclusiva da Telebrás";
10) ouvida, a Telebrás sustenta
que esse trecho do edital refere-se
apenas às ações judiciais movidas
contra ela. Inclusive ações trabalhistas. Nada a ver com as companhias privatizadas;
11) embora esteja a caminho do
cadafalso, a Telebrás ainda remunera 320 empregados. A grossa maioria, cedida à Anatel,
agência que fiscaliza o setor telefônico. Além da folha salarial, a
estatal administra contenciosos
judiciais. Defende-se em mais de
700 processos;
12) o contencioso da Telebrás
alça à casa dos R$ 600 milhões. O
equivalente a três vezes o ativo da
empresa -cerca de R$ 200 milhões, dos quais R$ 143 milhões
em dinheiro vivo;
13) o balanço de 2003 da Telebrás provisionou pagamentos de
R$ 100 milhões. Referem-se às
causas judiciais dadas como praticamente perdidas. Desse valor,
algo como R$ 10 milhões decorrem de reclamações trabalhistas
de funcionários da estatal. De novo, nada a ver com empregados
das telefônicas privadas;
14) a manifestação da Advocacia da União deixou boquiabertos os gestores da Telebrás. Foi
vista como interferência inusitada do Estado na economia. Uma
tentativa de proibir atos de capitalismo explícito entre adultos
consentidos;
15) o caso sul-mato-grossense
não é único. Há em Florianópolis
um outro processo trabalhista
que desliza rumo aos cofres do
Tesouro. Envolve a Telesc (Cia.
Telefônica de Santa Catarina) e
um ex-funcionário chamado
Norberto Silveira de Souza;
16) o Ministério Público do Trabalho também interveio no processo catarinense. Silveira de Souza chiou. Alegou que sua pendência com a Telesc é coisa estranha
ao mundo estatal. O juiz Rider de
Brito, do TST (Tribunal Superior
do Trabalho), discordou. Considerou legítima a interferência da
procuradoria, uma vez que há "a
possibilidade de a União vir a ser
responsabilizada" por dívidas
trabalhistas;
17) como se vê, tudo conspira
contra os interesses do contribuinte. O curioso é que, dessa vez,
é a própria Viúva quem expõe aos
anões crescidos da metáfora de
Delfim Netto os seus $eios copiosos;
18) telefônicas privadas, que até
aqui vinham pagando do próprio
bolso os débitos trabalhistas, preparam-se para pular a janela de
oportunidades aberta pelo Ministério Público do Trabalho e escancarada pela Advocacia Geral
da União.
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