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ENTREVISTA
Segundo secretário-geral da Presidência, programa com que Lula disputou a eleição não é socialista, mas de reformas
Gestão Lula é de centro-esquerda, diz Dulci
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Luiz Inácio Lula da Silva não fará uma gestão que se possa chamar de esquerdista, muito menos
de socialista.
Será um mandato influenciado
pela aliança com o centro, em que
o objetivo é promover a "reforma" do modelo econômico.
O extrato ideológico do novo
governo é dado pelo mineiro Luiz
Soares Dulci, 46, um dos mais
destacados intelectuais do PT,
desde 1º de janeiro ministro-chefe
da Secretaria Geral da Presidência
da República. Em entrevista à Folha, Dulci lembra que Lula foi
eleito por uma coalizão política
que deixou marcas em sua plataforma política e que igualmente
afetará as decisões de governo.
"O PT é um partido de esquerda, mas o governo é de aliança. O
programa com o qual o presidente Lula disputou as eleições é de
centro-esquerda. O governo se
pauta pelo programa", afirma.
Estudioso do socialismo, o ministro admite que o sistema é um
"ideal histórico" que fracassou
como experiência real e está sendo reavaliado. É uma posição incomum no PT, em que as principais lideranças costumam se dizer
"socialistas" por um lado e admitem alianças à direita e teses econômicas liberais por outro.
"O programa com que Lula disputou a eleição não é socialista, é
um programa de reformas estruturais para o país", declara.
Em uma Secretaria Geral remodelada, Dulci terá a função de
coordenar o relacionamento do
governo com entidades e movimentos sociais. Otimista, diz que
a disposição inicial da sociedade
em colaborar com Lula e dar um
voto de confiança é um capital político do governo que se inicia.
Mas admite que a boa vontade
corrente desaparecerá se não for
"cultivada".
O secretário-geral, de estilo conciliador, deve formar no governo
uma dupla heterodoxa com o expansivo José Dirceu (Casa Civil).
"Estamos perfeitamente entrosados", assegura. Professor da rede
pública de Minas, ex-sindicalista,
Dulci tem hábitos discretos. Refugia-se na literatura em seus momentos de lazer -tem uma queda por poesia italiana.
Na última quinta-feira, entre
uma audiência com Lula e outra
com o presidente do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento), Enrique Iglesias, Dulci
recebeu a Folha em seu gabinete,
no 4º andar do Palácio do Planalto, para uma entrevista. Metódico, insistiu com o repórter no início e ao final da conversa para que
"limpasse" o texto definitivo de
vícios típicos da linguagem oral.
Folha - O que muda na Secretaria
Geral da Presidência?
Luiz Dulci - A Secretaria Geral
passa a coordenar as relações políticas do governo com a sociedade: com o empresariado, o movimento sindical, a juventude, a intelectualidade, as ONGs, o voluntariado. Passa também a construir a agenda de interlocução do
presidente com a sociedade. O
presidente considera que, para
um governo como o seu, o diálogo com a sociedade, permanente,
sistemático, é fundamental. Ele
não quer a sociedade na arquibancada, quer participando do jogo os 90 minutos. O presidente
avalia que chega ao governo graças ao apoio político partidário
que recebeu, fundamental, mas
que é também muito importante
a sustentação social. Na semana
que vem vou dar início a um programa de visitas a 30 entidades de
diferentes segmentos: igrejas, entidades empresariais, de trabalhadores, juvenis, instituições intelectuais.
Folha - O sr. teme que Lula frustre
expectativas?
Dulci - A disposição social de colaborar com o governo é um dos
trunfos do país no momento. O
governo desperta grandes expectativas, mas não são de que faça
milagres. Há uma consciência
muito forte na sociedade brasileira hoje de que o país vive uma crise e que precisa superá-la gradativamente. As pesquisas mostram
que a população deseja que o governo comece a enfrentar os problemas desde o primeiro dia.
Folha - Vocês esperam tratamento diferenciado de movimentos como CUT e MST do que deram a Fernando Henrique Cardoso?
Dulci - A relação do PT com os
movimentos sociais sempre foi
diferenciada. A própria decisão
do presidente de escolher um dos
ministérios da área política para
fazer a interlocução permanente
com os diferentes segmentos da
sociedade é inovadora.
Folha - Isso evitaria greves, invasões de terra?
Dulci - A intenção não é impedir
que a sociedade civil se expresse
democraticamente. Os conflitos
são constitutivos da democracia.
O que achamos é que, com disposição de diálogo maior, antecipando problemas, é bastante provável que haja menos conflitos
agudos.
Folha - A lua-de-mel do presidente com a sociedade dura até quando?
Dulci - Todo governo democrático eleito pelo voto popular conta
no início com apoio majoritário
da população. Mas o apoio deve
ser cultivado, alimentado. Não é
uma coisa que está dada para os
quatro anos. Depende do desempenho do governo, da relação
com a sociedade.
Folha - E tende a cair?
Dulci - Não necessariamente.
Governamos Estados e municípios onde o respaldo cresceu com
o tempo. Não consideramos que
seja fatal que um governo vá perdendo o apoio da sociedade ao
longo do mandato.
Folha - Pelo menos no início do
mandato, o presidente parece estar querendo agradar a todos o
tempo todo. Esse governo saberá
dizer "não"?
Dulci - O governo dirá "sim" às
expectativas da sociedade que puderem ser atendidas de imediato.
Às que não puderem, dirá "não",
mas explicando por que "não". E
dialogará com a sociedade sobre
como criar condições para que sejam atendidas no momento oportuno.
Folha - O sr. fez questão de reforçar, no seu discurso de posse, que o
PT é um partido de esquerda e socialista. Para quem foi o recado?
Dulci - O PT é um partido que
tem como ideal histórico o socialismo democrático. Mas o programa do PT para o Brasil, desde a
fundação do partido, em 1980, é
um programa de reformas. Aliás,
boa parte das mesmas reformas
nós já defendíamos em 1980. Reforma agrária, reforma tributária
e outras reformas estruturais. É
claro que nesses 22 anos a esquerda evoluiu, e é positivo que tenha
evoluído. Seria um erro dar respostas antigas a problemas novos.
Folha - O poder pode afastar o PT
do caminho da esquerda?
Dulci - O PT é um partido de esquerda, mas o governo é um governo de aliança, é um governo de
centro-esquerda. Há partidos que
são de esquerda, como PT, PC do
B etc., e há outros partidos que
são de centro.
Folha - O governo não é de esquerda, é de centro-esquerda?
Dulci - É de centro-esquerda. O
programa com o qual o presidente Lula disputou as eleições é de
centro-esquerda.
Folha - Lula vai fazer um governo
de centro-esquerda?
Dulci - Sem dúvida. E todos os
partidos, sejam os partidos de esquerda, sejam os de centro, devem executar o programa de centro-esquerda. O que eu disse no
meu discurso de posse e reafirmo
é que o PT deve continuar sendo
um partido de esquerda.
Folha - Vai conseguir?
Dulci - É muito importante que
os partidos conservem a sua identidade programática, política,
seus valores. É importante que os
partidos de centro se conservem
como partidos de centro. É importante para a dialética democrática.
Folha - Mas se o PT é de esquerda
e é a força hegemônica do governo,
com mais da metade dos ministros,
como se pode dizer que é um governo de centro-esquerda? Não seria um governo de esquerda com
alguns "penduricalhos" de centro?
Dulci - A aliança política que foi
constituída em apoio à candidatura do presidente Lula foi uma
aliança de centro-esquerda, com
partidos de esquerda e de centro.
A chapa é de centro-esquerda,
com o presidente Lula de esquerda e com o vice-presidente José
Alencar, que tem uma trajetória
de centro. O que nos unifica é o
programa, e o programa é de centro-esquerda. O governo se pauta
pelo programa.
Folha - O governo será socialista?
Dulci - O PT nunca propôs para
o Brasil um programa socialista.
O socialismo democrático é um
ideal histórico para o PT, como é
para muitos partidos de esquerda
do mundo. Agora, evidente que é
um ideal que está sendo reconstruído no plano teórico e no plano
prático, não só no Brasil. O socialismo real fracassou historicamente. Isso colocou desafios teóricos e práticos para as forças de
esquerda no mundo muito importantes.
Folha - O PT então não tem a pretensão de fazer um governo socialista?
Dulci - Não. O programa com
que Lula disputou a eleição não é
um programa socialista, é um
programa de reformas estruturais
para o país. E de mudanças econômicas e sociais que vão no rumo de um país mais justo, inspirado em valores de equidade.
Folha - O sr. fará interlocução
com a sociedade. Vai haver também um Conselho. O presidente Lula terá ainda uma equipe de assessores especiais. Há também fóruns
temáticos, como o do Trabalho.
Não é muita gente falando de muita coisa ao mesmo tempo para o
presidente? Isso não pode confundir mais do que ajudar?
Dulci - Pelo contrário. O presidente tem muita clareza sobre o
rumo a seguir. Liderou ao longo
de 22 anos a construção de um
partido. Constituiu uma frente
política vitoriosa nas eleições.
Montou um governo plural, de alta qualidade técnica e política. Cada um tem seu papel.
Folha - E a crítica de que isso seria
uma tentativa de substituir o Congresso, compensar o fato de o PT
não ter maioria?
Dulci - O PT já nasceu defendendo a democracia representativa.
Nasceu combatendo a ditadura e
lutando pelas liberdades democráticas, Parlamento livre, pluripartidarismo, imprensa livre etc.
A nossa idéia de participação popular é para enriquecer a democracia representativa, não para
substituí-la. O diálogo com o
Congresso, suas prerrogativas, estão inteiramente preservados.
Folha - O sr. está bem entrosado
com o ministro José Dirceu, apesar
dos estilos diferentes?
Dulci - Perfeitamente.
Folha - Ele é mais pragmático, o
sr. é o intelectual; ele pavio curto, o
sr., conciliador, mineiro. Essa dupla
vai jogar afinada?
Dulci - A única diferença substantiva é que ele tem pressão alta e
eu, pressão baixa [risos".
Folha - Não é uma diferença pequena essa...
Dulci - Ambos temos a dimensão doutrinária e de reflexão política e temos a dimensão prática
do trabalho. Nos demos bem no
partido esses anos todos.
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