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GOVERNO LULA - CEM DIAS
Com programa único, Lula prepara guinada no social
Idéia é ter um só programa de transferência de renda, com características opostas às do Fome Zero
MARTA SALOMON
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois de reconhecer "tropeços" na área social nos primeiros
cem dias de governo, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva prepara
uma guinada. A idéia é ter um
único programa de transferência
de renda aos pobres no qual as famílias decidirão como gastar o dinheiro recebido, diferentemente
do cartão-alimentação do Fome
Zero, em que o uso dos R$ 50
mensais está limitado à compra
de alimentos.
O segundo ponto da guinada é
que os benefícios serão condicionados a uma contrapartida das famílias: quem tiver filhos em idade
escolar terá de mantê-los na escola, gestantes terão de fazer exames
de rotina, crianças menores de
seis anos devem frequentar os
postos de saúde, adultos analfabetos terão de voltar a estudar.
Hoje, o Fome Zero apenas estimula a alfabetização de adultos,
mas isso não é obrigatório. As
mudanças caminham no sentido
contrário ao assistencialismo.
A nova cara da política social
deverá encontrar resistência de
colaboradores antigos de Lula,
como o ministro José Graziano
(Segurança Alimentar), que defende a vinculação do dinheiro recebido por meio do cartão-alimentação à compra de alimentos,
além de não considerar fundamentais as contrapartidas.
No entanto, as modificações
contam com a aprovação dos ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e José Dirceu (Casa Civil).
As mudanças estão previstas
para maio. Até o anúncio do novo
modelo de "consolidação" dos
programas sociais, os marqueteiros definirão o nome do cartão
único de transferência de renda.
Uma das possibilidades é manter
a marca do Fome Zero.
Valor
Apesar das críticas que o programa recebeu ao ser lançado, a
marca "pegou", na avaliação do
governo: 4.500 pessoas visitam
diariamente o site do Fome Zero.
Dessas, 200 mandam e-mails pedindo para trabalhar voluntariamente. Entre 14 de março e 9 de
abril, a central de informações recebeu 131.728 ligações.
Também falta ser definido o valor do benefício único de transferência de renda, que depende do
custo para atender cerca de 9,3
milhões de famílias pobres, com
renda inferior a meio salário mínimo por pessoa.
O novo formato da política social também implica uma coordenação única, acima dos cinco ministérios que trabalham hoje com
programas de transferência de
renda aos pobres (Educação, Saúde, Assistência Social, Segurança
Alimentar e Minas e Energia).
O programa mexicano Oportunidade, evolução do Progressa,
tem servido de inspiração a Lula.
Ele é reconhecido como o mais
bem sucedido programa social do
mundo. Lá, a coordenação está
subordinada ao Ministério da Fazenda, formato descartado aqui
por motivos políticos.
O mais provável é a criação de
uma secretaria subordinada à
Presidência ou à Casa Civil. O ministro José Dirceu já sondou Miriam Belchior, assessora especial
de Lula, para a assumir a função.
Engenheira com mestrado em
Administração Pública, a ex-mulher do prefeito de Santo André
Celso Daniel, assassinado em
2002, foi secretária de Administração da prefeitura e participou
da equipe de transição de governo. Hoje integra a equipe de assessores especiais de Lula, com sala no terceiro andar do Planalto,
vizinha ao gabinete presidencial.
O relatório produzido pela
equipe de transição, coordenada
por Palocci, já criticava a superposição dos programas de transferência de renda. Essa superposição pode fazer com que uma família pobre receba do governo federal a cada mês até R$ 97, enquanto outra, igualmente pobre,
pode ter ficado de fora dos programas por não ter documento de
identidade, por exemplo.
Mas até hoje o governo não tem
informações seguras sobre o número de famílias que recebem
mais de um benefício por falhas
na operação do Cadastro Único
dos Programas Sociais, herdado
incompleto de FHC. Um banco de
dados com informações das famílias pobres é fundamental para saber se as políticas sociais são eficazes e estão dirigidas aos mais pobres, mas só haverá uma definição em junho sobre o destino do
Cadastro Único.
A avaliação dos programas será
feita nos moldes do Bolsa-Alimentação, programa do Ministério da Saúde que paga R$ 15 de benefício a gestantes, nutrizes ou
crianças até seis anos.
O modelo da nova política social reconhece críticas a dois pontos do Fome Zero: 1) a exigência
de as famílias só poderem comprar alimentos com o benefício e
2) a falta de contrapartidas obrigatórias por parte das famílias beneficiadas.
Estudos apontam que a maioria
da população beneficiada por
programas de renda mínima já
gasta quase todo o dinheiro com
comida, sobretudo as famílias
mais pobres. As contrapartidas tiram dos programas sociais um aspecto assistencialista: a frequência na escola e em cursos de alfabetização, por exemplo, funciona
como instrumento eficaz de combate à pobreza. A baixa escolaridade é reconhecidamente um importante fator de desigualdade social no Brasil.
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