|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DATAFOLHA
Para 72%, país é muito importante no cenário mundial; 61% acham que Brasil é bom ou ótimo lugar para viver
85% dizem sentir orgulho de ser brasileiros
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Entra ano, sai ano, e o brasileiro
segue fazendo coro com o título
de um livro lançado há mais de
um século: "Por que me ufano de
meu país", de Afonso Celso.
Pesquisa realizada pelo Datafolha no início do mês aponta que
85% dos entrevistados sentem orgulho de ser brasileiro, que 61%
acham um país ótimo ou bom para viver e que o Brasil é "muito
importante" no cenário mundial,
opinião de 72% dos consultados.
Com margem de erro de dois
pontos percentuais, o levantamento reforça as linhas mestras
de pesquisas equivalentes feitas
nos últimos três anos. E há quem
sustente que os resultados seriam
os mesmos há 500 anos.
José Murilo de Carvalho é um
deles. Professor titular de história
da Universidade Federal do Rio
de Janeiro e pensador da brasilidade de longa data, o autor usa o
termo "razão edênica" para explicar o orgulho exacerbado que
acompanha o povo brasileiro.
"Sempre tivemos a idéia de que
vivemos em um Éden. Nossos primeiros cronistas já falavam em
paraíso terrestre", diz.
Em uma pesquisa coordenada
por ele em 1997, ouviu como resposta à pergunta "por que você se
orgulha do Brasil" a frase "por ser
um país no qual se plantando tudo dá". "É uma das idéias dos
tempos de Pero Vaz de Caminha
que sobrevivem até hoje."
Mas no país "abençoado por
Deus e bonito por natureza" as
opiniões não seguem sempre o
paraíso absoluto. Se a maioria inconteste acha que o Brasil é um
país ótimo ou bom para viver o
quadro se afunila um pouco
quando dividido por idades.
Os jovens entre 16 e 24 anos são
os menos "otimistas". Metade deles responde de modo positivo
-coeficiente que salta para os
71% entre os acima de 60 anos.
"É muito sintomático que os
mais novos se sintam menos confortáveis com o país. É neles que
incide mais forte o aumento da
violência e o desemprego", opina
Eduardo Giannetti.
Autor do volume ensaístico
"Felicidade" (Companhia das Letras), o professor de economia das
Faculdades Ibmec, de São Paulo,
afirma que ainda que com as adversidades o jovem, e o brasileiro
em geral, sempre se declara feliz.
"O quadro só muda quando perguntam se o sujeito acha que os
outros brasileiros são felizes. Aí
ele diz que não."
Felizes mesmo, segundo o Datafolha, são duas categorias específicas: os que ganham acima de dez
salários mínimos e os empresários. No levantamento, o primeiro
grupo tem 66% de defensores de
que o Brasil é um ótimo país para
viver (contra 60% dos que arrecadam abaixo de 5 salários).
Na clivagem ocupação, o empresariado lidera o ranking otimista com largos 80%, deixando
para o último posto os estudantes,
com 47% de aprovação ao Brasil.
Do ponto de vista político, também existem disparidades. Simpatizantes dos partidos da base
governista, o PT e o PL, são os que
sustentam a menor taxa de ótimo
e bom (57% e 52%), ficando o
PPB no outro extremo: 73%.
O relativo "pessimismo" dos
partidários de Lula contrasta com
outra divisão dos entrevistados. É
entre os que avaliam o presidente
como ótimo ou bom que estão as
taxas mais otimistas sobre o país
(74%); dos críticos do lulismo, cai
para 47% a aprovação ao Brasil.
"A avaliação mais baixa dos petistas sinaliza o desgosto com a
herança maldita que receberam
do outro governo. O otimismo
dos que avaliam positivamente
Lula sinaliza a esperança com o
que virá", interpreta Emir Sader,
professor da USP e da Uerj.
O sociólogo, que declarou recentemente à Folha que "a luta
entre a esperança e o medo continua dentro do governo Lula" (parafraseando o "a esperança venceu o medo" lulista), defende que
o descontentamento de alguns intelectuais afinados com o PT não
tem eco estatístico no eleitorado
geral do presidente.
Mais do que em esperança, ou
medo, o professor de filosofia da
USP Renato Janine Ribeiro prefere falar em moral, ética e fé.
O autor de "Sociedade Contra o
Social" (Companhia das Letras),
que discute os problemas atuais
do país à luz da filosofia, afirma
que o "brasileiro tem a preocupação constante de afirmar que tem
valores éticos", mesmo vivendo
em um país "estressado".
Essa moralidade, que teria reflexos na "capacidade extraordinária de mobilização do nosso povo" (ele relembra: "Diretas Já, os
fiscais do Sarney, o movimento
do Betinho, o Impeachment"),
ajudaria a explicar por que 85%
dos entrevistados têm "mais orgulho do que vergonha" de ser
brasileiros.
"Se o governo Lula conseguir
engatar nessa coluna vertebral da
força moral ele terá um apoio
muito valioso, ao qual o presidente Fernando Henrique não deu
importância", diz.
A goleada que o orgulho dá na
vergonha de ser brasileiro, que essa força moral impulsionaria, não
é acompanhada com o mesmo vigor pela projeção que o país ganha no cenário mundial. Se em
2000 79% dos entrevistados diziam que o Brasil tinha "muita
importância" no mundo de então
essa cifra cai hoje para 72%.
"É interessante ver a diminuição da utopia da grande potência
brasileira, que já nos marcou em
tantos momentos. Esta é uma herança que vem do sebastianismo
português e que se expressou com
força até o período recente do
chamado milagre econômico",
afirma José Murilo de Carvalho.
Ainda assim, o historiador acha
exagerado o número dos que dão
destaque ao Brasil no mapa-múndi. "O país é absolutamente irrelevante no cenário internacional."
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Governo saberá contrariar interesses, afirma Dirceu Índice
|