|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Governo saberá contrariar interesses, afirma Dirceu
Ministro convoca servidores para debater com a sociedade e admite ajuda do BNDES a setores "estratégicos"
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Homem-forte do governo Luiz
Inácio Lula da Silva, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu,
57, reage à fama de ser concentrador dizendo que primeiro é preciso "ver os resultados".
O ministro defende e elogia a linha-dura adotada pelo colega Antonio Palocci, da Fazenda, como
antídoto para evitar o desastre da
economia, mas diz que nem o
presidente nem ele estão satisfeitos com a situação atual.
A próxima grande batalha do
governo, sugere o ministro, será
pela reforma da Previdência. O
regime dos servidores, uma das
bases sociais históricas do PT, é
uma "iniquidade", diz.
Na avaliação dos cem primeiros
dias do governo, Dirceu reconhece erros e aponta correções nas
ações da área social, onde também começa a operar, presidindo
a câmara de políticas sociais.
O ministro não descarta que o
BNDES venha auxiliar tanto a
aviação civil como a mídia, setores em crise financeira, segundo
ele estratégicos para o país.
No início da entrevista concedida à Folha, na tarde da última
quinta-feira, em seu gabinete,
Dirceu disse estar numa "fase ótima", apesar do cansaço. Perguntado se estaria vivendo um período paz e amor, respondeu de bate-pronto: "Eu nunca sou paz e
amor. Paz e amor é o presidente."
Folha - A política econômica adotada pelo governo radicalizou
aquela praticada por Fernando
Henrique. Os mercados gostaram.
Muita gente que votou no PT nem
tanto. O sr. está convencido de que
fizeram a coisa certa?
José Dirceu - Estou convencido
de que foi certo, era necessário,
não nos envergonhamos e temos
o apoio da opinião pública. Há
consciência na sociedade de que o
governo tem que ter um tempo
para reorganizar a máquina administrativa, os programas, a economia. Em segundo lugar, a guerra do Iraque só nos deu razão. Se
tivéssemos adotado outra posição, evidentemente o país não resistiria, dada a sua fragilidade.
Considero fantástico o que nós
fizemos. Construir maioria no
Congresso, fazer uma transição
administrativa sem solução de
continuidade, fazer a transição
econômica, reverter o risco-Brasil
e o dólar sem permitir que o país
entrasse numa crise maior.
Folha - Mas a chamada economia
real, o setor produtivo, não está
tão feliz assim. Está insatisfeito.
Dirceu - Satisfeitos nós não estamos também. Nem o presidente
nem nós, do governo.
Folha - O vice, José Alencar, tem
reclamado. E a Maria da Conceição
[Tavares,economista e mentora intelectual do PT" disse numa reunião diante da bancada do partido
que, se os juros não baixarem, o
país vai atrair uma enxurrada de
capital especulativo e cair numa cilada como aquela do primeiro FHC.
Tem prazo para a queda dos juros?
Dirceu - Não tem prazo. Não é
razoável pedir isso. Tem estratégia. O país estava à beira do desastre. Vamos fazer mudanças institucionais que viabilizam a redução dos juros.
Folha - A gestão do BNDES tem sido controvertida. Muitos dizem
que virou um hospital. No caso da
fusão Varig/TAM, o governo vai pôr
dinheiro?
Dirceu - O BNDES está trabalhando para evitar o pior na aviação civil. Mas não sem garantias.
Nós não somos e não seremos
banco-hospital, como se entendeu das declarações do presidente
Carlos Lessa. Nem ele aceita isso.
É preciso ter garantias.
Folha - Quais garantias?
Dirceu - O BNDES não pode
fazer aventura e emprestar recursos como no passado. Evitar que a
Varig deixe de funcionar não basta. Precisa reorganizar todo o setor. Desregulamentar, como estavam fazendo, liberar as tarifas e liberar as linhas, não sei se é má-fé
ou incompetência.
O que nós vamos fazer? Vamos
reorganizar o setor com a menor
participação possível de recursos
públicos. Os recursos são escassos
e são decisões difíceis que precisam ser tomadas. Eu empresto
200, 400, 600 milhões para que
um setor se reorganize ou eu empresto para outro e crio 300 mil
empregos e movo a economia de
uma região? É complicado. O governo tem que pensar muito. Nós
encontramos o BNDES numa situação muito grave. Gravíssima.
Folha - Mas tem muita gente que
não está convencida de que o
BNDES não está atuando como hospital. Como fica o caso do setor elétrico, por exemplo?
Dirceu - Essa questão tem que
ser discutida reservadamente
porque envolve riscos altos para o
Brasil. Todo mundo sabe que o
governo norte-americano tem interesse nisso. Envolve riscos para
o BNDES e para a economia do
país. O problema do setor energético não é só de uma empresa que
quebrou. Fizeram tudo errado.
Ninguém está satisfeito.
Qual a nossa situação? As empresas vêm e pedem 44% de aumento na revisão quinquenal. Isso com dados, no contrato. Nós
temos que manter o equilíbrio
econômico e financeiro das empresas, mas do país também. Não
podemos perder o controle das
tarifas, simplesmente dolarizá-las. Não podemos simplesmente
atender o pedido das empresas
por aumento tarifário, mesmo o
da Petrobras. Temos que olhar a
economia brasileira.
Folha - O governo não está disposto a ceder neste ponto?
Dirceu - Está disposto a negociar.
Mas não vai reproduzir o modelo
anterior. O modelo é outro. Agora
é público-privado, não privado-público, vamos dizer assim. A privatização não deu certo no setor,
como também não deu no ferroviário. Isso significa reestatização?
Não. Nem rompimento de contratos. Mas, dentro dos limites
dos contratos, vamos fazer tudo
que pudermos para atender o interesse da economia nacional e do
consumidor. Mais do que isso
quem fala é a ministra Dilma
[Roussef, das Minas e Energia".
Folha - E em relação à mídia, o
que fazer? As grandes empresas de
mídia estão quase todas em situação crítica de endividamento. O governo estuda algum auxílio ao setor, por considerá-lo estratégico?
Dirceu - Nós consideramos, sim,
a mídia um setor estratégico. Até
para a democracia. Agora, como
diria o presidente Lula, o governo
tem dez filhos e só tem comida
para três. Precisamos portanto
pensar muito bem onde vamos
alocar os recursos. A primeira
orientação é trabalhar para que o
setor bancário privado ajude. Segunda orientação: procurar que
as empresas encontrem entre si
soluções de fusões, de reestruturação. Terceiro: se, no limite, for
necessária a participação do governo, fazê-la da maneira mais
transparente e mais pública, com
o menor aporte de recursos possível. Temos outras necessidades.
Considero isso mais do que razoável. Não podemos deixar uma
empresa como a Varig quebrar ou
uma empresa como a Globo quebrar. É preciso pesar o custo-benefício para o país. Aqui tem racionalidade. Não têm influências
escusas ou superficialidade.
Folha - Jornalistas têm reclamado muito da falta de acesso a informações, da falta de transparência e
até de uma certa dureza no trato
por parte do governo. Vocês até
emitiram internamente um documento, ou uma cartilha, com orientações para controlar informações.
Dirceu - Não tem cartilha nenhuma . O setor responsável pela segurança do Palácio do Planalto
emite, através do sistema interno
de comunicação, todo dia, um
dos artigos, um pedaço daquilo
que é o estatuto do funcionário
público, daquilo que são as leis
que existem de informação. Aí se
transformou que era uma cartilha, se transformou que era uma
lei. Não há nem lei nem cartilha.
Tem isso. Não acho errado, porque nós temos que preservar as
informações. Não existe só a imprensa. Existe interesse estrangeiro, existem interesses comerciais,
existem interesses políticos, existe
a oposição. Não há nada de ilegal
nisso, nem nada que se volte contra a imprensa.
Pode ter havido, no começo do
governo, falta de tempo, falta de
estrutura, falta de atendimento,
mas não há nada deliberado. No
meu caso, por exemplo, uma absoluta falta de tempo e uma decisão política de só falar em "on"
em coletivas, e eu assumo, evidentemente, as consequências dela.
Folha - O sr. está trabalhando
quantas horas por dia?
Dirceu - Eu chego à Casa Civil todo dia entre 8h e 8h30 e saio entre
21h e 22h. Procuro descansar pelo
menos um fim de semana sim,
um não, almoço regularmente,
durmo muito bem, faço ginástica
três vezes por semana, leio sinopses -não consigo ler como eu lia.
Leio muito documento do governo, muito relatório, muito estudo,
mas não consigo ler a imprensa
como eu lia antes, nem ler os livros que eu quero ler.
Folha - A impressão que se tem é
que o sr. concentra muitas coisas, e
há setores que criticam isso.
Dirceu - Primeiro, precisa ver os
resultados. A vida é assim. Segundo, é o presidente que decide. Ele
me conhece. O presidente Lula sabe que eu volto a ser deputado,
vou fazer só uma tarefa se ele me
pedir. Fico aqui na Casa Civil, da
maneira que ele mandar e determinar que deve ser organizada a
Casa Civil. Funcionamos objetivamente, vamos fazer avaliação a
cada três, quatro meses.
Folha - O governo está disposto a comprar a briga com os servidores até o fim?
Dirceu - A reforma da Previdência é vital porque é preciso fazer justiça social. Salta à vista a iniquidade, num país que tem os
problemas sociais que o Brasil
tem, do regime dos servidores
comparado com o regime geral.
Isso é culpa dos servidores públicos? Não. Segundo, a Previdência
é inviável do ponto de vista atuarial. Lógico que é viável, se o governo tirar sempre cada vez mais
do Orçamento para colocar na
Previdência. Nós vamos submeter essa decisão ao país. Os servidores públicos têm que fazer o debate com a sociedade e conosco, e
nós vamos chegar a uma maioria.
Podem protestar, se manifestar,
fazer greve, a única coisa que eles
não podem dizer que não está havendo debate, que o debate não é
transparente, não é público, não é
democrático. Estamos colocando
tudo em cima da mesa para se discutir. Os números estão aí.
Folha - O Fome Zero recebeu muito apoio público. Mas houve muita
cabeçada na condução do programa e entre os ministros da área social. Haverá mudança?
Dirceu - Primeiro, nós recebemos uma herança de programas
de transferência de renda e de benefício continuado. O diagnóstico
de alguns deles era precário, de alguns nunca tinham sido feitos, e
nós tivemos a coragem de fazer.
Temos uma avaliação de que é
preciso ter um cartão unificado,
um cadastro unificado, que tinha
sido começado e nós precisamos
concluir. Tudo indica que há fraudes demais nos cadastros. Há desperdício, portanto. O país precisa
caminhar para um cadastro unificado, com um cartão do governo
federal, não desse ou daquele ministério, um programa que seja
bem gerenciado.
Nós, quando criamos a câmara
de políticas sociais, criamos exatamente para procurar estudar e
analisar tudo isso e fazer uma
proposta para o presidente. O
presidente vai tomar uma decisão
sobre o que fazer.
Folha - O sr. acha que tem de haver uma coordenação maior?
Dirceu - Já tem, tanto é que o presidente constituiu a câmara de
políticas sociais. E me deu essa
atribuição de coordenação da câmara no sentido de que é o presidente da República que está coordenando, porque quando a Casa
Civil coordena alguma coisa, não
sou eu, ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, quem está coordenando. Significa que o presidente avocou para si, porque eu
presto contas diariamente para
ele. Não faço política governamental sem o apoio e a anuência
do presidente. Quando dá errado,
a responsabilidade é minha.
Folha - A estratégia paz e amor
esbarra no fato de que o governo
terá que contrariar interesses em
algum momento.
Dirceu - Mas a isso nós estamos
dispostos. Todos nós crescemos
na adversidade. Nenhum de nós
está onde está por favor de ninguém. Tudo isso aqui foi conquistado. Nosso povo conquistou,
porque a maioria do povo votou.
Todas as classes sociais, não estou
discriminando nenhuma classe
social. Todas as classes sociais do
Brasil trabalharam por este momento. A democracia brasileira
está se consolidando.
Os compromissos que nós assumimos de desenvolver o país,
combater a corrupção, a pobreza,
consolidar a democracia brasileira são factíveis. Não são impossíveis para os próximos 20 anos.
Folha - Isso quer dizer 20 anos
com o PT no poder?
Dirceu - Não. Se nós dermos
uma contribuição em quatro
anos, está importante, se forem
oito, está importante. Espero que
surjam novas lideranças. Não é
todo dia que surge um Lula. Leva
20, 30, 50 anos para surgir um.
Texto Anterior: Datafolha: 85% dizem sentir orgulho de ser brasileiros Próximo Texto: Frases Índice
|