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JANIO DE FREITAS
Óleo de sujo
O prejuízo com a recusa da
soja exportada para a China, dada a presença de agrotóxicos perigosos em parte do produto, está estimado em R$ 1 bilhão.
Mas traz uma conseqüência ainda mais volumosa e duradoura: a
China, já grande mercado e
maior promessa para a produção
agrícola brasileira, a partir de
agora quer preços menores para a
soja, a seu ver, inconfiável. A desvalorização projeta-se pelo tempo
afora e ainda sobre a exportação
honesta, por exemplo, da Argentina.
É uma velha história brasileira.
Passou-se primeiro com o açúcar,
em nossos tempos mais ou menos
remotos, quando europeus se
adoçaram com misturas de açúcar, farinha e areia fina. Depois
foi o café, que, ainda há poucas
décadas, desfrutou muito da
companhia de pedras para melhor impressionar na pesagem
das sacas. Exportadores abençoados, todos, pelos santinhos de pau
oco, exportação que fez a Europa
maravilhar-se com nossos escultores, não importa se menos pela
obra que pelo ouro nela escondido.
A soja vigarista é também uma
velha história em outro sentido
bem brasileiro. Do próprio governo surgiu a versão de que os chineses, falando na contaminação,
fazem um truque para diminuir o
preço e, portanto, o seu alto gasto
com a importação. Só uns poucos
grãos estariam contaminados:
um jornal carioca até apurou a
vista e informou que não chegavam a meia dúzia (não ousou explicar, porém, como os chineses os
localizaram em R$ 1 bilhão de soja).
A versão não combina com as
interdições, feitas pelo governo,
em depósitos de soja nos portos de
Rio Grande e Santos. Nem poderia, porque a explicação fantasiosa destina-se apenas à impunidade dos exportadores de soja suja.
Um velho e feliz final que tem a
idade desta expressão: os espertalhões são gente graúda. Com prestígio não só no Ministério da
Agricultura, mas também no Planalto.
Os sopros
Intenso, mas rápido, talvez pela
falta de matéria-prima para mais
elogios, o festival "Viva Palocci"
na mídia foi substituído pela décima reprise da novela sobre brigas no governo. Com a novidade,
para não faltar uma, do conselho
de que Lula "precisa aproveitar o
momento bom [sic] do governo e
intervir". No caso, intervir quer
dizer tirar José Dirceu. Mas, a
bem da verdade, a idéia obsessiva
não é da mídia, que apenas se
mantém no seu papel brasiliense
de prestadora de serviço.
Digamos que haja, de fato, divergência acentuada entre José
Dirceu e Antonio Palocci em torno da política econômica, que o
primeiro desejaria uma política
geradora de desenvolvimento. O
que haveria de novo aí? Não seria
senão a mesma divergência havida, nesse caso com lances de grossura explícita, entre Sérgio Motta
e Pedro Malan, na primeira fase
do governo Fernando Henrique.
E, depois, entre Luiz Carlos Mendonça de Barros e sempre Pedro
Malan. Sem que as divergências
se chamasse "brigalhada" e nem
de longe a mídia se transformasse
em força de pressão para Fernando Henrique despachar alguém.
Mesmo que haja divergência
grave entre Dirceu e Palocci, até
agora não causou prejuízo algum
ao governo, nem sequer algum
embaraço à política econômica,
ao ministro da Fazenda ou a seus
orientadores internos e externos.
Prejudiciais aos governos são as
divergências que os emperrem.
Mas o governo Lula é emperrado
por deliberação própria, o emperramento conduzido pela Fazenda
tem sido a sua meta, por sinal,
com grande êxito.
Duvido que alguém de fora da
confiança absoluta de José Dirceu
saiba se as suas aparentes divergências com a política econômica
são verdadeiras. A cada dia Dirceu diz algo diferente. Se invoca a
necessidade de política promotora de desenvolvimento, no dia seguinte (caso não seja como fecho
da declaração) proclama apoio a
Palocci e sua política. A contradição, além de insolúvel, já anda
rente ao ridículo. Como certas
quase unanimidades no jornalismo de política e de economia.
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