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CULTURA E BARBÁRIE
Freis achavam que obra em igreja não sintonizava com oração
"Profanos", painéis de Volpi são apagados
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No final dos anos 60 ou início
dos anos 70, os freis cappuccinos
concluíram que os painéis do pintor Alfredo Volpi (1896-1988),
que ornavam a igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Brasília,
eram profanos. Rasparam as bandeiras de São João características
do artista e pintaram por cima. Da
obra original do pintor paulista,
só restam cópias no arquivo do
Iphan (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional).
"O cappuccinos achavam que
não sintonizava bem com a oração e com a espiritualidade", afirma o frei Venildo Trevizan, atual
padre da igreja. Para o secretário
de Cultura do Distrito Federal,
Pedro Borio, essa é uma das poucas perdas irreparáveis de Brasília. "Foi um pecado", disse ele.
Na igrejinha, apelido da pequena igreja de Nossa Senhora de Fátima, o sumiço dos Volpi não é o
único problema. Oscar Niemeyer
desenhou o seu projeto a pedido
da então primeira-dama, Sarah
Kubitschek, que pagava uma promessa. A igreja foi inaugurada em
1958. Foi o próprio Niemeyer que
encomendou a Volpi os painéis.
Ao seu amigo Athos Bulcão, que
está numa amostra no TCU (Tribunal de Contas da União)
-"Quatro Artistas da Paisagem
de Brasília"- pediu um projeto
para o revestimento externo.
Bulcão usou azulejos para revestir a igreja. Com o tempo, eles
caíram e foram substituídos por
peças que não seguem o mesmo
padrão de cor. "Depois que acabaram as reservas de azulejos originais, mandamos fazer novos.
Não conseguimos fazer iguais ao
original", lamenta Trevizan. A solução para o problema, diz a coordenadora cultural da Fundação
Athos Bulcão, Valéria Cabral, seria encomendar os azulejos ao artesão autorizado a fabricar as peças pelo próprio artista, que está
hoje com 86 anos.
Borio afirma que o governo do
distrito pretende fazer um amplo
programa de educação patrimonial, para evitar que outras obras
acabem como o Volpi ou os azulejos de Bulcão na igrejinha. Esse
não é um caso isolado.
Uma das maiores concessionárias de carros Volkswagen da capital, a Disbrave, possui dois painéis de Athos Bulcão em sua loja,
na Asa Norte de Brasília. Eles estão escondidos detrás de faixas
promocionais da empresa.
No painel de azulejos (o outro é
de concreto), foram parafusados
dois pequenos armários suspensos. Só é possível ver frestas da
obra de Bulcão, entre a série de
anúncios expostos.
O gerente administrativo da
concessionária, Walter Mendes
de Souza, afirma que, desde que
descobriram que tinham um Bulcão, foram proibidos novos furos
no mural. Disse, no entanto, que
não podia retirar o entulho visual
que tapa a obra. "Não temos outro recurso. Ficou. Mas não vamos mexer mais", disse o gerente.
"Quando o senhor deixa um recado para a sua empregada fazer
um bife com feijão, o senhor prega o papel nos seus quadros?",
perguntou Cabral, a ouvir o comentário de Souza. Para tentar
minimizar o problema, Souza
afirmou que quase todos os furos
haviam sido feitos no ponto de
união de um azulejo com o outro
e não no meio das peças.
Bulcão também é autor de um
painel deteriorado numa escola
pública da Asa Norte. A atual diretora, Ana Paula do Reis, mostra
interesse em restaurar o projeto,
mas tem recursos. Ela aponta um
adesivo colado, no painel, por
uma ex-diretora, para fazer campanha para a eleição de sua chapa,
como prova da falta de respeito
com a obra.
(ANDRÉ SOLIANI)
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