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REFORMA NO AR
Alencastro defende fim da aposentadoria integral de servidor
Recuo de Lula "desmoraliza" reforma, afirma historiador
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
O historiador Luiz Felipe de
Alencastro, 57, ao analisar a polêmica em torno das alterações na
Previdência, avalia que um recuo
do governo neste momento pode
"desmoralizar" a reforma, além
de prejudicar a aprovação de outros pontos da pauta do Planalto.
"Acho que, nesse tipo de pauta,
um recuo agora comprometeria
todo tipo de reforma que o governo fizer daqui para a frente. Desmoraliza a reforma", afirmou o
historiador, que vive na França,
país que também discute a reforma no sistema previdenciário.
Para Alencastro, professor de
história do Brasil na Universidade
de Paris 4, o fim da integralidade
das aposentadorias dos servidores é justo uma vez que o funcionalismo conta com a estabilidade
em um época de desemprego.
"O funcionário público goza de
estabilidade profissional, ao contrário dos trabalhadores do setor
privado, que vivem sob a ameaça
do desemprego. Não dá também
para ele querer ainda a aposentadoria integral", disse o autor de
"O Trato dos Viventes" (Companhia das Letras), obra em que examina como o tráfico negreiro no
século 19 desenvolveu entre o
Brasil, a África e regiões do Atlântico um sistema de relações paralelo à influência portuguesa.
Além de destacar o MST como
um movimento que "civiliza" o
campo, ele classificou como "chilique" e "histeria" a "tromba" que
se fez em torno do uso do boné
dos sem-terra pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
Leia a entrevista dada de Paris,
por telefone e e-mail, à Folha.
Folha - O sr. acha legítima a proposta do original do governo para
a reforma da Previdência?
Luiz Felipe de Alencastro - A reforma dos regimes previdenciários, ampliados após a Segunda
Guerra, quando havia um forte
crescimento demográfico e pleno
emprego, está em pauta em quase
todos os países, agora, com o declínio da natalidade e o aumento
do desemprego. Aqui na França,
os professores trabalham 38,5
anos para se aposentarem e o governo está querendo aumentar o
prazo para 41 anos.
O problema no Brasil é que o regime previdenciário está alquebrado por uma legislação fragmentada e corporativa, que gera
excessos.
O funcionário público goza de
estabilidade profissional, ao contrário dos trabalhadores do setor
privado, que vivem sob a ameaça
do desemprego. Não dá também
para ele querer ainda a aposentadoria integral. Isto posto, creio
que o governo devia ter desdobrado mais a reforma, escalonando
no tempo e introduzindo regimes
transitórios que garantissem direitos adquiridos para os atuais
funcionários. Mas também entendo que uma reforma desse escopo, importante, complexa e
desgastante tinha de ser lançada
logo no início de governo.
Folha - Então não deveria haver
recuo no fim da integralidade?
Alencastro -Isso é de uma espécie de compensação na Previdência, que raramente garante integralidade. Você tem médias salariais e outras coisas. O ponto de
partida na questão do funcionalismo é que a garantia de emprego
nos dias de hoje é um grande
trunfo. Então você tem de ceder
em uma outra parte.
Tem muita coisa encoberta no
Brasil na questão da Previdência e
eu acho que um dos méritos da situação atual, para ser minimamente realista, é ter provocado
um debate sobre o tema.
Folha - O governo acaba cedendo
muito por querer agradar a todos?
Alencastro - Se ele quisesse agradar
a todo mundo, ele não mexia na reforma da Previdência, que é o que todos fizeram antes. Acho que, ao contrário, é
uma coragem política grande colocar o
problema logo no começo do governo.
É um assunto que, aqui na França, já
derrubou vários primeiros-ministros.
Folha - Acha que o PT vai arcar
com o ônus de contrariar uma das
principais bases, o funcionalismo?
Alencastro - Claro. Acho que já
há um ônus. Por isso que a reforma tem de ser feita logo no começo. Acho que, nesse tipo de pauta,
um recuo agora comprometeria
todo tipo de reforma que o governo fizer daqui para a frente. Desmoraliza a reforma.
Folha - Como o sr. vê a forma como o governo lida com o MST?
Alencastro - O Brasil é o único
dos grandes países que não fez reforma agrária, coisa que os EUA
fizeram no seu próprio território
em 1862 e impuseram ao Japão,
em 1945. Por isso, acho que o MST
continuará ocupando terras, porque a forma de protesto dos sindicatos rurais, em todo o mundo,
inclusive aqui na França, é mais
dura que a dos trabalhadores urbanos. No nosso país, onde a exploração dos trabalhadores rurais
tem se caracterizado, através dos
séculos, pela brutalidade, o MST
insere a revolta rural no quadro
das negociações. Concordo com o
que disse Plínio de Arruda Sampaio: "O MST civiliza o campo".
Folha - Vestir o boné do movimento não prejudica ainda mais o
entendimento?
Alencastro - Achei que há uma
histeria em torno disso. Aliás, periodicamente, o tucanato tinha
uma certa histeria com o MST como se fosse a vanguarda de uma
insurreição armada. Nos últimos
anos, isso ocorria periodicamente. Se tivesse havido metade da
tromba que se criou agora em cima do massacre dos sem-terra em
Eldorado do Carajás, no governo
do tucano Almir Gabriel [em
1996], quando o PSDB ficou quieto e o governo tucano também
não foi adiante, o Brasil suportaria melhor hoje em dia em vez de
ficar criando chilique porque o
Lula pôs chapéu do MST. É um
movimento legalizado, que tem
fachada pública, não é racista e
não está proibido. Por que o presidente não poderia colocar o
chapéu?
Folha - Acha que já é possível
identificar neste governo um significativo rearranjo de forças sociais?
Alencastro - Penso que é necessário um partido conservador
moderno no Brasil, coisa que o
PFL não é. Mas o grande rearranjo político partidário só vai ocorrer mais adiante, quando FHC se
lançar como o candidato anti-Lula nas eleições presidenciais. Não
tenho nenhuma informação sobre isso, mas não vejo outra explicação para as críticas que ele vem
fazendo ao governo, dentro e fora
do Brasil. Ele pode estabelecer
uma aliança, bem mais ampla que
o PSDB, contra Lula e o PT. Caso
isso aconteça, haverá um novo
quadro político, muito mais tenso, porque o establishment conservador brasileiro e internacional, que agora aceita Lula, irá se
bandear para o lado de FHC.
Folha - O PSDB parece estar ainda
definindo seu papel fora do poder.
Alencastro - O PSDB paga um
preço por ser um partido com
uma proposta furada, do ponto
de vista doutrinário, que foi o parlamentarismo, desautorizado pelo eleitorado brasileiro.
Depois ficou pendurado no [ex]
presidente da República, que no
final disse em entrevistas que o
PSDB nunca deveria ser chamado
de social-democrata, porque não
é social-democrata. Ou seja, ele
questiona a própria noção básica
do partido de modo que, evidentemente, o partido sofre uma crise
de identidade grande porque ele
sempre se colocou como a esquerda quando estava no governo
e agora tem outra coisa.
Evidentemente que os governadores [Geraldo] Alckmin [SP] e
Aécio [Neves, MG] são lideranças, mas eu realmente acho que o
pacto político que está se desenhando é uma candidatura FHC
em cima do Lula. Ele vai ter 75
anos. O De Gaulle também foi
eleito com essa idade aqui. Tem
uma questão de "timing" aí.
Folha - Enfim, o sr. acha que o governo terá condições de promover
alterações sociais e econômicas?
Alencastro - Espero que sim. O
Brasil ainda paga o preço do fiasco da campanha abolicionista
que, no final do século 19, não
conseguiu engrenar a reforma
agrária. Não dá para registrar outro fiasco desse na nossa história.
Se a experiência do PT no governo federal fracassar, a esquerda
entrega a rapadura de vez.
Folha - A política externa do governo Lula tem sido destacada como um dos pontos positivos do governo. Qual a avaliação do sr.?
Alencastro - Concordo com essa
apreciação. Acho que a nossa
atual diplomacia retoma os caminhos da "Política Externa Independente" lançada pelo chanceler
Afonso Arinos em 1961 e abortada
pela ditadura em 1964. Além de
assegurar a presença brasileira
nas grandes negociações internacionais, o Itamaraty capitalizou o
interesse internacional gerado pela eleição de Lula e pelas redes de
simpatizantes que o PT dispunha
na Europa e nos Estados Unidos.
Folha - O sr. entendeu como um
recuo o fato de o presidente Lula
ter concordado, em Washington,
com a data de 2005 para o ingresso
do país na Alca?
Alencastro - Foi uma declaração
de princípio, sem prejuízo das negociações presentes e futuras. O
procedimento é habitual no encontro de chefes de Estado. O governo tem de estar preparado para negociar.
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