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Delegado narra luta do "bem" contra o "mal"
Em relatório da investigação da PF, Protógenes Queiróz diz que estará sempre de prontidão para agir contra "mal maior"
Documento de 245 páginas, com linguagem truncada e português precário, chama banqueiro de "grande gênio fraudador" e cita Dostoiévski
RANIER BRAGON
EM SÃO PAULO
Responsável pela condução
da Operação Satiagraha, deflagrada na última terça-feira, o
delegado da Polícia Federal
Protógenes Queiroz construiu
um relatório de 245 páginas em
que, embalado por um português precário e truncado, narra
as investigações que chefiou
como um confronto entre o
"bem" e o "mal".
O lado do "bem" é personificado nele próprio em diversos
trechos, como naquele em que
diz que, "a fim de evitar o mal
maior", estará de "prontidão"
para agir "ao menor movimento (...) de corsários saqueadores
das riquezas do nosso país".
Em outro trecho, quando
volta a falar da ameaça do "mal
maior", afirma que a "organização criminosa de Daniel Dantas" teme apenas a PF.
"Mais precisamente a execução dos trabalhos pelo autor da
presente", diz, alertando para
supostas tentativas exaustivas
de impedir o avanço das investigações. "Mas desde já acreditamos que a vitória está com as
pessoas de bem que lutam por
um país melhor."
O "mal" é reservado principalmente aos três principais investigados: o banqueiro Daniel
Dantas, o investidor Naji Nahas
e o ex-prefeito Celso Pitta, todos presos na operação, mas já
soltos por ordem do Supremo
Tribunal Federal.
"D. Dantas utiliza sua inteligência para praticar o mal", assinala Queiroz. Mais adiante,
anota que "talvez não fosse exagero dizer que Daniel Dantas
extrapola em sua ficção de
"grande gênio financista" para
na realidade, em sua essência,
ser "grande gênio fraudador'".
Sobre Pitta, Queiroz novamente se cita, imodesta e confusamente, ao lado das forças
do "bem". "É de singular importância no contexto "lavagem
de capitais" a figura vinculada
ao Nahas -carimbada na corrupção brasileira, que graças ao
trabalho de poucos abnegados
em acreditar num Brasil melhor para gerações futuras se
empenham diuturnamente no
combate a esse tipo de crime-
na pessoa de Celso Pitta."
Pitta tem uma das passagens
mais autorais do texto, quando
o delegado lembra suas investigações contra ele e o ex-prefeito Paulo Maluf (PP). "Como diz
um velho ditado, "o tempo é o
senhor da razão", e chegou [sic]
a vez dos munícipes paulistanos vê [sic] o restituído parte
dos recursos saqueados e evitar
que mais uma vez se dê chance
aos saqueadores, ora investigados, de gozar com dinheiro do
"grande assalto" aos cofres públicos, travestido de mandato
governamental."
Outros investigados também
merecem citações elaboradas
por parte de Queiroz. "A conduta dos três (Guga, Guiga e
Gomes) soa como figuras lendárias dos três mosqueteiros,
desempenhando atividades a
serviço do rei, qual seja, identificamos naquele festejado grito
de guerra: "um por todos e todos por Daniel Dantas'", escreve sobre três dos acusados de
integrar o esquema que seria
chefiado pelo banqueiro.
O zelo quanto à grafia de nomes também não representou
grande preocupação ao delegado. Ele errou inclusive o nome
do juiz a quem endereçou o documento (escreveu Fausto
"Martins de" Sanctis em vez de
Fausto Martin De Sanctis).
Embora a narrativa tenha
atropelado as regras gramaticais, o delegado Queiroz recorreu, no seu relato -que foi encaminhado ao Judiciário para
embasar os pedidos de prisão e
de busca e apreensão-, a pelos
menos quatro citações literárias, incluindo supostos escritos de Machado de Assis e Fiódor Dostoiévski.
Em determinado ponto, o
policial comenta que seria "um
método freudiano primitivo e
ridículo", ou um "paradigma
ingênuo", comparar as supostas organizações criminosas
comandadas por Daniel Dantas
e Naji Nahas.
Nahas e Dantas, além de serem rotulados freqüentemente
como responsáveis por aquilo
que o delegado define como
"mal maior", receberam também no documento alcunhas
como "capos" e "chefões".
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