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NO PLANALTO
União se defende na Justiça atacando Palocci
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Tramita no interior de São
Paulo um inusitado processo judicial. Foi aberto no mês passado. Contém documentos memoráveis. Num deles, a equipe do
ministro Palocci revela à Justiça a
incompetência da Fazenda para
cobrar R$ 8,5 bilhões em créditos
tributários.
O brasileiro já se havia habituado a conviver com dois tipos de
governos: os ruins e os muito piores. Mas esta é a primeira vez que
Brasília confessa formalmente a
sua inépcia. Denunciando-se a si
próprio, o governo Lula revela a
incapacidade de executar um lote
de devedores.
Aconteceu assim:
1) o procurador da República
Jefferson Aparecido Dias, de Marília (SP), descobriu que a Receita
Federal retém a cobrança de débitos de 706.932 contribuintes inadimplentes. Juntos, devem ao fisco R$ 8,5 bilhões. São dívidas incontroversas. Esgotaram-se as
instâncias de contestações administrativas;
2) como não houve pagamento,
os processos deveriam ter sido remetidos à Procuradoria da Fazenda Nacional, para inscrição
dos devedores no cadastro da Dívida Ativa da União e posterior
cobrança judicial. Porém, encontram-se represados na Receita;
3) a demora na cobrança sujeita o governo à perda dos créditos.
Pela lei, dívidas tributárias prescrevem após cinco anos da comunicação do lançamento ao devedor;
4) em 8 de fevereiro, o procurador Aparecido Dias leu nas páginas da Folha uma notícia que o
fez saltar da cadeira. Um passivo
fiscal de R$ 46,4 milhões da empresa AGF Brasil Seguros foi perdoado. Despacho do ministro da
Fazenda considerou-o prescrito.
Foi assinado pelo ministro interino Bernardo Appy, braço direito
de Palocci;
5) em 10 de fevereiro, Aparecido
Dias protocolou na Justiça uma
ação civil pedindo a fixação de
um prazo de cinco meses para o
ajuizamento dos 706.932 créditos
represados na Receita;
6) intimado a defender-se, o governo produziu uma peça esquizofrênica. Reconhece a existência
dos débitos de R$ 8,5 milhões pendentes de ajuizamento. Admite a
existência de "falhas". Atribui os
erros a "entraves burocráticos sistêmicos, orçamentários, administrativos e até mesmo políticos";
7) o texto esquizotípico é de 26
de fevereiro. Assina-o o procurador da Fazenda Nacional Luciano José de Brito. Fala em nome do
governo. No afã de defender a
União, o servidor esfaqueou o coração da política econômica conduzida por Palocci;
8) José de Brito anotou: "[...] A
questão é muito mais política do
que meramente administrativa,
pois a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional luta bravamente
por um acréscimo orçamentário
para que possa desenvolver suas
atividades com maior eficiência,
mas sempre esbarra nos cortes orçamentários em prol de um superávit primário. Tal fato é de conhecimento público, pois a todo
momento se escuta sobre cortes
nos orçamentos, não só na Procuradoria, mas também em áreas
sociais, como a educação e a saúde";
9) detalhista, José de Brito revela que há carência de pessoal na
Procuradoria da Fazenda. Confessa a vulnerabilidade dos arquivos eletrônicos da dívida ativa,
sujeitos a fraudes;
10) tomado ao pé da letra, o documento oficial conduz à seguinte
conclusão: a pretexto de podar
gastos, Palocci fatia o próprio pé.
Executa cortes que, na prática,
impedem sua equipe de cobrar dívidas que tonificariam os cofres
do Tesouro. Um despautério;
11) em seu texto, o procurador
fazendário José de Brito argumenta que o ajuizamento imediato dos R$ 8,5 milhões retidos
pelo dique instalado no fisco causaria "inúmeros transtornos às
unidades da Procuradoria da Fazenda e da Receita Federal, pois
ambas, como é sabido, não possuem uma estrutura adequada
[...]";
12) em manifestação aprovada
pelo coordenador Geral de Administração Tributária, Michiaki
Hashimura, a Receita corrobora
as palavras de José de Brito. Afirma que o ajuizamento de todos os
créditos provocaria "problemas
no atendimento ao público, pois
nem as unidades da Procuradoria da Fazenda nem as da Receita
terão condições de prestar a contento o atendimento necessário
aos contribuintes que a elas comparecerem";
13) José de Brito informa ainda
em seu texto que o governo tenta
aparelhar-se para inscrever os
706.932 devedores no cadastro da
dívida ativa até meados de 2004;
13) em 27 de fevereiro, o juiz federal Alexandre Sormani, lotado
em Marília (SP), proferiu a sua
sentença. Anotou: "Não vislumbro, nos documentos apresentados, qualquer comprovação de
que efetivamente o problema [...]
poderá ser sanado até meados do
ano, como dito pela ré [União]
em suas informações";
14) considerando que a existência de tantos débitos por ajuizar
"foge à razoabilidade", o juiz condenou a Fazenda a inscrever os
R$ 8,5 milhões em dívida ativa
até 27 de julho de 2004. A decisão
é liminar (provisória). Vale para
todo o território nacional. Até
sexta-feira, Brasília não havia recorrido da sentença;
15) na semana passada, Palocci
recebeu mais uma má notícia: os
procuradores fazendários entraram em greve por tempo indeterminado. Pedem aumento salarial
e melhoria nas condições de trabalho. A atmosfera, que já estava
carregada, tornou-se irrespirável.
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