|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NO PLANALTO
Justiça devolve biombo a Ricardo "suspeição" Sérgio
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nova decisão judicial desativou uma bomba pronta para explodir nas imediações
da candidatura governista de José Serra. Foi ressuscitada a liminar que impede a Receita Federal
de perscrutar os extratos bancários de Ricardo "no limite da irresponsabilidade" Sérgio.
A figura sombrosa do ex-coletor
das arcas eleitorais do grão-tucanato é associada a amoralidades
em penca. Entre as muitas acusações que rondam-lhe a biografia
está a de fraude fiscal. Alega inocência. Diz-se perseguido.
Com um gesto simples -a exposição de um lote de extratos
bancários-, calaria os que o difamam. Curiosamente, prefere
apostar a reputação num jogo de
esconde-esconde com o fisco.
Em fevereiro, Ricardo "incerteza" Sérgio obteve liminar proibindo auditores fiscais de levarem sua movimentação bancária
para tomar sol. Um mês depois,
graças a recurso da Fazenda Nacional, suspendeu-se a proibição.
Agora, por decisão da 4ª Turma
do TRF da 1ª Região, com sede
em Brasília, a liminar foi posta
novamente de pé.
Assim, fica-se sem saber se a
alegada inocência do arrebanhador de fundos eleitorais se baseia
na certeza de que traz os bolsos
limpos ou na suposição de que, de
ardil em ardil, conseguirá evitar a
localização de provas.
O brasileiro em dia com Everardo Maciel não merece o convívio
com tão insidiosa dúvida. Sob pena de solidificar-se a impressão
de que Imposto de Renda no Brasil é mesmo coisa feita para tirar
dinheiro de quem não consegue
escapar, ou seja, o assalariado.
O diabo é que, entre a suspensão e a ressurreição da liminar judicial, passaram-se mais de dois
meses. Neste período, com as
mãos momentaneamente livres
para agir, a Receita foi buscar na
marra os extratos que Ricardo
"mistério" Sérgio se negou a entregar. Os fiscais realizaram profícua pescaria na rede bancária.
Há coisa de 20 dias, com o samburá abarrotado de peixes, o fisco
foi informado pelo Judiciário de
que não pode levar o cardume à
frigideira. O pescado jaz na sala
201 do edifício anexo "A" do Ministério da Fazenda, nas dependências da Cofis (Coordenação
de Fiscalização da Receita Federal).
O cesto cheira mal. Algo que talvez explique o vaivém de Ricardo
"hesitação" Sérgio. Em outubro
de 2001, intimado pela Receita a
abrir as contas de 98 e 99, respondeu por escrito: "Extratos bancários do período foram solicitados
às instituições financeiras (...)".
Tudo levava a crer que franquearia gostosamente os dados.
Qual o quê! Nem extratos, nem
explicações. Nadica de nada.
Reintimado em janeiro passado,
foi taxativo em nova carta à Receita: "O pleito (...) constitui devassa violadora do meu direito
constitucional e legal ao sigilo
bancário".
Ainda pendente de julgamento
de mérito, o processo que resultou
na expedição de liminar, espécie
de biombo de proteção a Ricardo
"incógnita" Sérgio, contém documento que expõe certas convicções do fisco. Assina-o Paulo Ricardo de Souza Cardoso, coordenador-geral de Fiscalização.
"Das averiguações preliminares
realizadas nos sistemas da Secretaria da Receita Federal", diz o
texto, "constatou-se que a movimentação financeira do sr. Ricardo Sérgio de Oliveira no biênio
1998/1999 foi de R$ 4.696.023,21".
Chegou-se à cifra graças à CPMF,
o imposto do cheque. O numerário não encontra respaldo nas declarações de rendimentos do coletor de verbas eleitorais.
Audita-se o cotidiano financeiro de Ricardo "4,6 milhões" Sérgio a pedido da Procuradoria da
República. O procurador Guilherme Schelb investiga o caixa dois
que engraxou a máquina reeleitoral de FHC com pelo menos R$
10,12 milhões ilegais.
"Se, por dever legal, essa autoridade administrativa iniciou uma
ação fiscal requisitada pelo Ministério Público e, durante a fiscalização, deparou com tão expressivo volume financeiro, por
dever de ofício viu-se na contingência de continuar na apuração
dos fatos", anota ainda o texto do
coordenador-geral de Fiscalização da Receita. "De forma diversa, estaria fraudando o princípio
da moralidade administrativa."
Sob os auspícios do presidenciável José Serra, cujas finanças eleitorais ajudou a fornir no pleitos
de 1990 e de 1994, Ricardo "transtorno" Sérgio ocupou o cargo de
diretor da área internacional do
Banco do Brasil entre 1995 e 1998.
Caiu do galho por conta da incontinência verbal flagrada pelo
chamado grampo do BNDES. A
passagem pelo governo foi especialmente próspera para o procurador das arcas do tucanato.
Embora ganhasse pouco em salários do bancão oficial -algo
como R$ 105 mil por ano-, inflou prodigiosamente o seu rol de
bens no período. Em 1995, era dono de patrimônio declarado de
R$ 1.458.757,43. Em 1998, sua fortuna somava R$ 3.283.123,81. Em
1999, R$ 3.509.160,48. Em 2000,
R$ 4.035.950,82. Um espanto.
Um dos pontos que compõem a
auditoria da Receita é a relação
de Ricardo "prosperidade" Sérgio
com duas empresas do ramo das
finanças: as corretoras RMC e
Planefin.
É de se perguntar: o que leva
juízes a obstar uma auditoria fiscal amparada em números assim
tão vistosos? Se uma movimentação bancária bianual de R$ 4,6
milhões não constitui indício suficiente, o que mais pode justificar uma averiguação?
Não se nota no Ministério da
Fazenda nenhum movimento de
contra-ataque. Sabe-se que restam pelo menos dois caminhos à
Procuradoria da Fazenda Nacional. Pode-se recorrer contra a liminar no próprio TRF que, em
decisões pretéritas, liberou a quebra de sigilo bancário. Pode-se
ainda recorrer ao STJ (Superior
Tribunal de Justiça).
Um recuo de Brasília a esta altura não pegaria bem. Se Ricardo
"suspeição" Sérgio prefere mover-se na penumbra, tanto melhor.
Assim como o general Leonidas
sob a chuva de flechas do exército
persa, os auditores fiscais podem
combater à sombra.
Texto Anterior: Outro lado: Para Promotoria, origens diferentes causam contradição Próximo Texto: Maranhão: Procuradoria acusa coronel da PM que invadiu prédio da PF em S. Luís Índice
|