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SOMBRA NO PLANALTO
Para Cláudio Weber Abramo, atuação do governo é tímida
Faltou combate à corrupção, diz ONG
MARCOS SERGIO SILVA
DA REDAÇÃO
Um ano e meio depois de assinar o "Compromisso Anticorrupção", quando ainda era candidato
à Presidência da República, Luiz
Inácio Lula da Silva pouco fez para combater o mau uso da máquina pública. A opinião é do secretário-geral da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, responsável pelo documento
subscrito pelo então candidato
em setembro de 2002.
Agora, em razão das fitas que
apontam o pedido de propina feito pelo ex-subchefe de Assuntos
Parlamentares da Presidência
Waldomiro Diniz na campanha
de 2002, Abramo vê a oportunidade de o PT finalmente colocar
em prática um sistema eficiente
de combate à corrupção. "O governo Lula poderia tomar esse caso como um gancho para adotar
um combate à corrupção de uma
forma sistêmica e organizada."
Abramo acredita que o governo
abusou do discurso em detrimento da ação no primeiro ano de
mandato. Cita que um dos termos
acordados no compromisso era a
implantação de uma agência nacional anticorrupção -o que não
foi realizado. Leia os principais
trechos da entrevista.
Folha - Qual o impacto da divulgação do escândalo?
Cláudio Weber Abramo - Eu acredito que esse caso demonstra que
eventos envolvendo corrupção
podem acontecer uma vez que os
indivíduos que ocupem função
pública abusam do poder, em benefício próprio ou do partido. O
fato de um indivíduo estar relacionado ao Partido dos Trabalhadores, que tradicionalmente teve
a imagem ligada ao combate à
corrupção, mostra que palavras
apenas para combater a corrupção não bastam. É necessário tomar medidas concretas de controle e acompanhamento. É o que
não acontecia claramente no governo Benedita da Silva, no Rio de
Janeiro, onde o caso ocorreu.
Folha - O que o caso pode significar para o governo Lula?
Abramo - O governo Lula poderia tomar esse caso como um gancho para adotar um combate à
corrupção de uma forma sistêmica e organizada. E não apenas
com declarações contra a corrupção. Só há controle se existirem
mecanismos administrativos.
Folha - O senhor acredita que o
governo já colocou alguns desses
mecanismos em prática?
Abramo - O governo afirma que
sim. Algumas medidas já foram
tomadas em certas áreas, notadamente na Controladoria Geral da
União, mas não se pode dizer que
o governo Lula tenha adotado o
combate à corrupção como um
programa administrativo concreto. Foram medidas tímidas. Quero dar um exemplo de como a
despreocupação relativa com a
corrupção pode prejudicar políticas públicas. O governo está com
esse projeto de parcerias público-privadas, em discussão no Congresso, e esse projeto tem vários
dispositivos muito vulneráveis à
corrupção.
Folha - Pode-se dizer então que o
governo não agiu com responsabilidade ao apresentar esse projeto?
Abramo - Precisaria ter mais
preocupação no dia-a-dia com a
corrupção. Corrupção não é fundamentalmente um problema
moral dos indivíduos. É evidente
que um sujeito corrupto é um indivíduo moralmente desviante,
mas isso não é importante na corrupção. O importante são as condições que a propiciam. E o que
dá origem à corrupção? É a oportunidade. E isso não se reduz dizendo "serei implacável contra a
corrupção, sou contra".
Folha - É possível dizer que foram
essas brechas que propiciaram
uma ação como essa do Rio?
Abramo - Se um indivíduo é capaz de, enquanto é presidente da
Loterj, negociar o direcionamento de licitações públicas para empresas A ou B por conta de pagamento de uma propina, é evidente que esse processo não estava
sendo controlado adequadamente. Isso aí é responsabilidade de
governo, não é responsabilidade
individual do senhor Waldomiro
Diniz. Casos de corrupção em
qualquer governo ocorrem porque o processo está frouxo. Não
adianta dizer "pega ladrão" depois que aconteceu.
Folha - Como o sr. vê essa aproximação de um bicheiro, como o Carlinhos Cachoeira, com o presidente
de uma empresa de loterias?
Abramo - Acho que o ponto não
é o cara ser bicheiro, mas de estar
fazendo negócios ali. Licitações
públicas não são feitas para ver
quem vai ficar com um ponto de
bicho, são feitas para adquirir
bens e serviços do Estado. Eu vejo
isso como uma demonstração
que a corrupção em licitações pode estar ligada ao crime organizado. Se um bicheiro estava negociando, isso quer dizer que o crime organizado, representado por
ele, estava negociando.
Folha - O Brasil manteve seu índice de percepções de corrupção no
primeiro ano de governo Lula. Apesar disso, é possível ver alguma evolução nesse aspecto no período?
Abramo - É muito difícil fazer esse tipo de avaliação, mas eu diria
que se esperava muito mais. O governo Lula se comprometeu, durante a campanha, a tomar diversas medidas concretas -ele assinou um documento público com
o Transparência Brasil. A maior
parte dessas medidas não foi tomada por motivos que só o governo poderá responder.
Folha - Antes de assumir, Lula assinou um Compromisso Anticorrupção com o Transparência Brasil.
Algum ponto foi cumprido?
Abramo - O diálogo com o governo não se deu, apenas se deu
localizadamente na Controladoria Geral da União. A agência [nacional anticorrupção, proposta
no compromisso] simbolizava a
eleição do combate à corrupção
como estratégia de governo. Isso
não foi feito. Uma parte das atribuições ficou com a Controladoria Geral da União, mas ela não
tem ascendência sobre os demais
ministérios. Não existe um comando central anticorrupção.
Folha - A solução seria organizar
melhor a máquina para que casos
de corrupção não existissem?
Abramo - A falta de informação
provoca a corrupção. O Estado
precisa impor às suas estruturas
processos de disponibilização da
informação para que a população
possa olhar. Pegando o gancho do
controle externo do Judiciário.
Que controle externo é esse que
estão falando? Um concílio de advogados, representantes do Ministério Público, juízes... De externo, não tem nada. O melhor controle externo é a visibilidade sobre
os processos.
Folha - Após o caso Santo André,
o PT passou a defender uma influência menor do Ministério Público e voltou a discutir a Lei da Mordaça. O sr. avalia isso como uma
ruptura do modelo que o partido
defendia nos tempos de oposição?
Abramo - Nada como um dia
atrás do outro, não é? O exercício
do poder não é a mesma coisa que
a luta pelo poder. Enquanto se está na oposição você tem o discurso que é baseado na ética da convicção. Quando você assume o
poder, passa a valer a ética da responsabilidade. Do ponto de vista
formal, é evidente que o Ministério Público não poderia divulgar
informações sobre investigações
que está realizando, porque isso
pode prejudicar pessoas. Por outro lado, em um país que tem as
dificuldades institucionais que o
Brasil tem, o Ministério Público
corre o risco de ser tolhido em sua
função por pressão política. Acho
que impedir formalmente que os
promotores públicos tenham certa liberdade no manejo dos casos
pode ter um prejuízo grande na
apuração.
Folha - Como o sr. avalia a relação
do governo com o Congresso e a
troca de cargos nos ministérios?
Abramo - Ela é evidentemente fisiológica, por uma série de fatores: a fraqueza dos partidos, a fragilidade do sistema de representação, um mar de razões. E o que o
governo tem a oferecer? Cargos.
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