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NO PLANALTO
Lula, Dirceu e o PT precisam de uma boa mãe
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dona Toninha, mãe de Antonio Palocci, bem que
avisou. Diferentemente do filho
dela, um poderoso discreto, José
Dirceu vem ostentando poder em
demasia.
O chefe da Casa Civil obviamente nunca foi de dar ouvidos a
conselho de mãe. Um dos ensinamentos vitais de todas elas é: cuidado com as companhias.
Ainda menino, meteu-se numa
"gangue de garotos". Divertiam-se amarrando barbante em rabo
de cachorro e roubando frutas
nos quintais da vizinhança. "Eu
era o pior", reconhece Dirceu nas
páginas de "Abaixo a Ditadura",
livro escrito em 98, em parceria
com Vladimir Palmeira.
Aos 15, Dirceu trocou a modorra da pequena Passa Quatro
(MG) pela sedução de uma fervilhante São Paulo. Foi ganhar a vida sozinho. Espremia-se com sete
rapazes numa quitinete. Decorridos oito meses, foi expulso.
Tornara-se, ele próprio, companhia indesejável. "Eu aprontava
muito", admite. Embora menor,
freqüentava cabarés. "Eu podia
ter virado um trombadinha."
Mais tarde, estudante da PUC,
integrou-se à autodenominada
"Turma da Canalha". Sentava-se
à mesa do professor, acomodava
os pés sobre as carteiras...
Hoje, 57, segundo homem da
República, cabelos ralos e nevados, Dirceu escreve as mais importantes páginas de sua notável
biografia. A diferença é que agora
suas travessuras são acompanhadas por uma nação atônita.
Sob Lula, o camarada Dirceu
tornou-se, nas palavras do presidente, o "capitão do time" petista.
Nessa condição, escalou o segundo escalão. O dele e o dos outros.
Nenhuma nomeação importante na Esplanada escapou ao
crivo de Dirceu. Assoberbado com
a filtragem das indicações
alheias, "descuidou" da sua própria seleção. Levou para a sede da
Presidência da República Waldomiro Diniz.
Escalou para fazer a ponte entre
o quarto andar do Planalto e o
carpete escorregadio do Congresso um personagem que, suspeita-se agora, coletava verbas eleitorais e negociava editais de concorrências públicas com o jogo do
bicho carioca. Uma temeridade.
Por ora, o pior que se pode dizer
da reputação de Dirceu é o seguinte: ou ele é um fenomenal
distraído, ou gosta mesmo de viver perigosamente. Em qualquer
hipótese, assume riscos incompatíveis com o cargo que exerce.
Alguém deveria assumir o papel
de mãe do superministro. Dona
Toninha, talvez. Alguém que pudesse ligar para Dirceu de vez em
quando para dizer-lhe: cuidado
com as companhias.
Em verdade, Dirceu não é o
único a necessitar de atenções
maternas. No instante em que
completa 24 anos, o PT inteiro
atravessa uma quadra delicada.
No poder, o partido sacrifica a
aura de "diferente" num processo
pouco cerimonioso de composições políticas. Um ritual de cumplicidade em que uns são levados
a aceitar as culpas dos outros em
nome da fidelidade ao grupo. E
todos terminam por igualar-se na
abjeção.
Numa fase assim, qualquer mãe
que se preze diria ao PT: evite o
PMDB, pare de cortejar o PMDB,
não dê ministérios ao PMDB, fuja
do PMDB. Autorizado por Lula,
Dirceu fez o oposto.
Lula, Dirceu e o PT seriam, porém, felizes se o PMDB fosse o
único motivo de preocupação.
Não é. Longe disso. Vêm aí as eleições municipais. E com elas a necessidade de dinheiro para as
campanhas.
Em períodos pré-eleitorais, as
necessidades partidárias costumam fundir-se perigosamente a
certas demandas empresariais.
Mencione-se, por oportuno, o caso das casas de bingo. Tinham em
Waldomiro Diniz, agora "afastado" do convívio palaciano, um
bom aliado.
Os bingos funcionam precariamente, numa atmosfera de semiclandestinidade. Reivindicam
uma lei que normatize a atividade. Nos bastidores, acenam com
generosas contribuições de campanha. Valem-se da contribuição
de pessoas conhecidas em Brasília. Entre elas o ex-senador Gilberto Miranda.
Em 1º de outubro de 2003, o Planalto editou um curioso decreto.
Instituiu um grupo de trabalho
para estudar alterações à "legislação que trata das atividades relacionadas à exploração dos jogos
de bingo". Traz as assinaturas de
Dirceu e Lula.
O chefe da Casa Civil guarda
em suas gavetas uma proposta de
medida provisória que, editada,
deixaria felizes os exploradores
do bingo. Na última quinta-feira,
um grupo de procuradores da República foi ao Planalto para fazer
um alerta.
Os procuradores esperavam ser
recebidos por Dirceu. Contentaram-se em dialogar com um auxiliar do ministro, Johaness Eck.
Relataram a ele o conteúdo de inquéritos que, espalhados pelo
país, associam o bingo ao crime
organizado e à lavagem de dinheiro.
É, de novo, um caso de ausência
de mãe. Qualquer uma diria:
afastem-se dos bingos, rasguem
essa medida provisória, esqueçam a parola de que geram milhões de empregos. O comércio de
cocaína também emprega brasileiros e nem por isso deve ser legalizado.
Em conversa com jornalistas,
na última quarta-feira, Lula disse
que não dá atenção a funcionários subalternos. "Delego confiança", disse ele. "Trato com o primeiro escalão." Uma boa mãe diria ao presidente: use parte do
tempo que desperdiça criando
metáforas para observar os Waldomiros, meu filho. É para o seu
próprio bem.
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