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PEQUENAS CAUSAS
Casos curiosos e de interesse restrito são comuns na principal instância do Poder Judiciário brasileiro
STF julga de roupa sumida à mordida de cão
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Acostumados a dar a palavra final em causas de grande repercussão econômica, os 11 ministros
que integram o STF (Supremo
Tribunal Federal) também estão
sujeitos ao exame de casos esdrúxulos e de interesse restrito, como
furto de galinhas, desaparecimento de jaqueta em lavanderia, estouro de aparelho de ar-condicionado e mordida de cachorro.
Essas ações chegam com relativa facilidade à última instância
porque, quando inconformado
com a sentença, o perdedor encontra um sistema processual que
lhe permite levar às últimas conseqüências o esforço de virar o jogo. No Supremo, basta que ele
conteste a derrota judicial apontando a suposta violação de um
princípio constitucional, como o
direito a ampla defesa.
Por essa razão, o STF vive congestionado. Entre 1999 e o ano
passado, o Supremo recebeu
471.985 processos e julgou
388.630. Em 2003, o número de
recursos caiu em relação ao ano
anterior: passou de 160.453 para
87.186. O julgamento da maioria
dos recursos demora entre dois e
oito meses porque o tribunal já
tem jurisprudência sobre cada assunto. Em alguns casos, porém, a
decisão final pode demorar anos.
O camponês João José Rambo,
do Rio Grande do Sul, quer receber do Estado indenização por
danos morais, porque diz ter sido
condenado injustamente pelo
furto de cinco galinhas, "três gordas e duas magras", de acordo
com o seu advogado. Rambo ficou 11 meses preso, conseguiu
anular a sentença por falta de provas, mas não obteve êxito no pedido de indenização do Estado.
A ação chegou ao STF em setembro de 2003 e seguiu ao gabinete do ministro Sepúlveda Pertence, que examina milhares de
outros processos e prepara as eleições municipais na condição de
presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). No exemplo da
ação do camponês, as conseqüências de uma simples acusação de
furto, feita por um vizinho, podem esconder um debate jurídico
relevante: a obrigação de o Estado
indenizar vítimas de um erro do
Judiciário, quando comprovado.
Nem sempre é assim. No caso
da jaqueta de couro preta que desapareceu de uma lavanderia no
Guarujá, a cliente não chegou a
um acordo com os donos da loja
sobre o valor necessário para ressarcir o dano, a Justiça fixou um
valor intermediário, mas a lavanderia recorreu ao Supremo.
No conflito de um casal do Rio
de Janeiro com uma loja de assistência técnica de condicionadores
de ar, o estabelecimento se recusa
a pagar uma indenização pelos
danos e aborrecimentos causados
pelo estouro do aparelho e contesta a sua responsabilidade.
Direito canino
Outros três casos levantados pela Folha são relacionados a problemas com cachorros: a morte
de um animal, uma mordida e
uma briga entre dois deles.
No primeiro, revelado recentemente pela Folha, uma moradora
de Belo Horizonte diz que a sua
cadela Pretinha foi recolhida pela
carrocinha e em seguida morta.
Ela quer indenização pela perda.
No segundo, um morador de
Porto Alegre contesta a afirmação
da vizinha de que o seu cachorro a
mordeu, dizendo que não há provas suficientes desse fato.
No último, já julgado, a dona de
um dos cães envolvidos numa
briga foi condenada a pagar multa, porque o seu animal foi considerado perigoso, mas ela afirmou
que o processo era nulo por inexistência de laudo veterinário sobre a periculosidade. O caso foi
arquivado por impossibilidade
técnica de reexame de provas.
Tentativas frustradas de audiência com o presidente da República também deságuam no
STF. Em 2003, o Instituto Ponto
de Equilíbrio Elo Social Brasil, de
São Paulo, pediu que Luiz Inácio
Lula da Silva fosse interpelado judicialmente para dar explicações
sobre a impossibilidade de a entidade agendar um encontro com
ele. Essa ação está sobre a mesa do
ministro Marco Aurélio de Mello,
que também é o relator dos processos sobre o estouro do ar-condicionado, o sumiço da jaqueta de
couro, a mordida do cachorro e a
morte da cadela Pretinha.
Alguns desses casos precisam ir
ao plenário. Outros são levados a
julgamento de uma das duas turmas do Supremo, compostas por
cinco ministros cada uma. Em algumas circunstâncias, o relator
decide individualmente.
Apesar de estarem habituados a
julgar causas esdrúxulas, os ministros do STF não contiveram o
riso numa sessão plenária de
1996, na qual apreciaram o habeas
corpus de um suposto aposentado do Rio de Janeiro que dizia estar temeroso de ser obrigado a se
submeter à cremação e defendia o
seu direito de continuar vivo.
O suposto aposentado se opunha a um ato que havia sido inventado e creditado ao então presidente Fernando Henrique Cardoso: o envio de ofício a pessoas
com mais de 65 anos para que eles
se dirigissem ao crematório mais
próximo caso fossem inúteis. Dos
11 ministros presentes àquela sessão, seis já se aposentaram compulsoriamente por critério de idade ao completarem 70 anos.
A existência do autor do habeas
corpus, Epaminondas Patriota da
Silva, não ficou comprovada. Esse
tipo de ação dispensa a assinatura
de advogado e a prova de residência. O endereço citado, na favela
da Rocinha, no Rio, era fictício,
como a Folha apurou na época.
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