|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RÉPLICAS
Árvores abatidas
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
O ombudsman dedicou sua coluna do último domingo à cobertura das eleições feita pela Folha.
Analisando as edições do jornal
da semana anterior, identificou
"momentos infelizes" e disse que
serristas "somaram motivos para
comemorar", enquanto lulistas e
ciristas acabaram "maltratados".
Depois de elencar exemplos para
sustentar sua tese, com ênfase para a edição de quinta-feira, dia 5
de setembro, concluiu da seguinte
forma: "A Folha tem um capital
de credibilidade acumulado a duras penas, ao longo de vários
anos. Na reta final das eleições,
ainda mais num quadro tão indefinido como o atual, tudo que ela e
seus leitores necessitam é que esse
capital não seja abalroado".
Como se vê, Bernardo Ajzenberg pôs a independência editorial da Folha em questão. Sua coluna foi transformada em peça de
propaganda política, sobretudo
pela campanha do PT, que ao longo da semana que passou não
cansou de citá-la nas cartas e
mensagens que enviou ao jornal.
É um risco que corre um veículo
de comunicação que se dispõe a
discutir de forma pública e transparente, como nenhum outro na
imprensa brasileira, seus critérios
e resultados. Ajzenberg deve tê-lo
calculado ao redigir seu texto.
O ombudsman se equivoca pelo
que diz e pelo que deixa de dizer.
Limita-se a fazer a leitura de um
número muito restrito de edições
e de um punhado de exemplos
pinçados do jornal para derivar
daí uma conclusão que, afinal,
lança dúvidas sobre sua isenção.
Ao se furtar de fazer a crítica em
perspectiva do conjunto da cobertura, omite o principal. Tem
sido essa sua prática recorrente
quando aborda a conduta da Folha no processo eleitoral.
No dia 26 de maio, um dos subtítulos de sua coluna, intitulado
"Um alerta", iniciava da seguinte
maneira: "Na semana que passou,
os marqueteiros do PT puderam
respirar aliviados, ao menos
quanto à Folha. Fatos bastante incômodos surgiram envolvendo o
partido, mas o jornal, em muitos
casos, tratou-os com bem menos
relevância do que mereciam". Depois de enumerar suas críticas,
Ajzenberg concluía assim: "A Folha precisa definir melhor o que
quer no noticiário eleitoral. Entre
o marketing e a vida concreta, entre questões de programa ou propostas e a retórica pura, onde está
o equilíbrio? Como e o que priorizar? Sobre o PT, tema desta coluna: diferentemente das campanhas anteriores, o partido controla cidades e Estados de imenso peso político e econômico, com as
possibilidades positivas e os riscos que isso implica. É esse o PT
real, não o de Duda Mendonça".
Basta tirar essa coluna do esquecimento para ilustrar o caráter errático e as limitações de uma crítica que elege algumas poucas árvores para abater e vira as costas
para a floresta, mas pretende ainda assim atingir a raiz do problema -no caso os princípios editoriais que orientam a Folha.
A campanha em curso já passou
por várias fases e algumas reviravoltas. Observando o comportamento da Folha até agora, não há
a meu ver como sustentar que tenha favorecido a candidatura Serra, a despeito de deslizes pontuais
e eventuais erros de avaliação que
se refletem nas páginas do jornal.
Cito três momentos problemáticos da trajetória do tucano nos
quais a Folha claramente se destacou dos principais concorrentes.
O primeiro deles, a revelação feita
pelo jornal em março, em reportagem de Otávio Cabral e Fernanda da Escóssia, de que o Ministério da Saúde havia contratado a
preço milionário os serviços da
Fence, empresa especializada no
ramo das escutas telefônicas. A
reportagem foi publicada duas semanas após a eclosão do caso Lunus e praticamente um mês antes
da renúncia da então pré-candidata Roseana Sarney, nas circunstâncias que todos conhecem.
No início de maio, quando uma
reportagem de capa da revista
"Veja" levantou suspeitas sobre a
cobrança de propina na privatização da Companhia Vale do Rio
Doce e trouxe Ricardo Sérgio de
Oliveira, empresário, ex-tesoureiro e amigo de Serra, de volta ao
centro do jogo político, novamente foi a Folha o jornal que, de longe, dedicou mais empenho e espaço editorial ao assunto, explorando exaustivamente as implicações políticas do episódio.
Também em maio, foi ainda a
Folha que revelou, em reportagem de Fernando Rodrigues, que
o mesmo Ricardo Sérgio, quando
diretor do Banco do Brasil, havia
participado de operações "heterodoxas" para reduzir a dívida de
empresas do empresário Gregorio Marin Preciado, amigo e ex-sócio de José Serra.
Por fim, quando o tucano despencou nas pesquisas de opinião,
em meados de agosto, e dava a
impressão de estar fora do páreo,
a Folha dedicou à crise de sua
candidatura uma cobertura mais
ampla e aprofundada que a dos
demais jornais. Basta conferir.
Em relação à reportagem sobre
Zeca do PT, na qual o ombudsman identificou, não entendo por
que, "o episódio inaugural" do
que ele batizou de "ciclo pró-Serra, subscrevo o que expõe abaixo
o repórter Fabiano Maisonnave.
Como bem disse o próprio ombudsman em maio, o PT real é o
que governa Estados e cidades
importantes do país, não a ficção
do "Lulinha paz e amor" inventada por Duda Mendonça.
Numa campanha até agora
bem-sucedida como a de Lula, na
qual até intelectuais de prestígio
se omitem em relação a escândalos envolvendo as administrações
petistas e se calam diante das
"alianças táticas" com liberais,
Sarney e Quércia, espera-se de um
jornal como a Folha que deixe um
pouco de lado a fantasia publicitária e lance alguma luz sobre as
contradições e problemas do discurso e dos governos petistas.
Isso posto, concordo que o jornal tenha se equivocado ao eleger
como título do "Rastreamento
Eleitoral" do dia 5 de setembro o
enunciado "Pesquisa já mostra
Serra com 21% e Ciro com 20%".
A notícia principal era, de fato, a
subida de quatro pontos de Lula,
não a oscilação positiva do candidato tucano. Foi uma opção editorial infeliz, reconhecida posteriormente pela própria editoria,
mas não um erro factual.
As demais observações feitas
por Ajzenberg me parecem francamente irrelevantes ou descabidas. O ombudsman vê por exemplo uma "sutil ironia" no título da
capa do caderno naquele dia: "Lula estreita laços com militares".
Não há nem sutileza nem ironia,
mas jornalismo. O mesmo vale
para o título da reportagem sobre
Ciro Gomes da mesma data-
"Ciro recebe passagens e adesivos
em jantar", cujo tom o ombudsman considerou "sutilmente depreciativo". Honestamente, não
alcanço tanta sutileza interpretativa. Até a charge publicada naquela edição entrou na contabilidade dos favorecimentos a Serra.
Mas o ombudsman chegou ao
extremo para sustentar sua tese
quando disse que "não seria absurdo imaginar" que uma gafe
feita por Serra e registrada pelo
jornal ("Nossa meta é ter 100%
das crianças de seis anos até o final do nosso primeiro manda...")
teria ido à capa do caderno e merecido espaço na primeira página
do jornal se o autor fosse Lula ou
Ciro. Tal raciocínio é o que se poderia chamar de ataque especulativo aplicado ao jornalismo.
Não sou inimigo das minúcias
-pelo contrário, partilho, também no caso do jornalismo, a
convicção de que "Deus está nos
detalhes", para abusar de uma
imagem de Guimarães Rosa. Só
não posso concordar que um retrato de momento, e ainda mais
discutível como este, possa ser
usado para sustentar uma tese
que falseia o sentido geral da cobertura e coloca em dúvida um
patrimônio editorial que a Folha
construiu, sim, a duras penas.
Texto Anterior: Contas públicas: Benefício fiscal faz o país deixar de arrecadar R$ 33 bi Próximo Texto: Zeca do PT e o "outro lado" Índice
|